TRIBUNAL CONSTITUCIONAL Acórdãos 93.º Volume \ 2015
514 TRIBUNAL CONSTITUCIONAL a) Resultam de rendimentos de atividade lícita; b) Estavam na titularidade do arguido há pelo menos cinco anos no momento da constituição como arguido; c) Foram adquiridos pelo arguido com rendimentos obtidos no período referido na alínea anterior. (…).» Este regime legal enquadra-se na problemática mais geral da perda de coisas e direitos relacionados com a prática de um ilícito criminal, previsto, em termos gerais, no Capítulo IX do Código Penal, intitulado «Perda de instrumentos, produtos e vantagens», onde se encontra regulada a «Perda de instrumentos ou produtos» (artigos 109.º e 110.º) bem como a «Perda de vantagens» (artigo 111.º). Neste regime normativo de âmbito geral prevê-se que os objetos que tenham servido ou que se desti- nassem a servir para a prática de factos ilícitos (instrumentos do crime), bem como os que forem produzidos em resultado de tais factos (produtos do crime), sejam declarados perdidos a favor do Estado, uma vez veri- ficados determinados pressupostos (cfr. artigos 109.º e 110.º). Este tipo de medidas tem como fundamento razões de índole preventiva, visando impedir que tais instrumentos ou produtos possam ser utilizados para a prática de novos ilícitos ou que, atenta a sua perigosidade, possam colocar em causa a segurança das pessoas ou da ordem pública. Prevê-se ainda a perda das vantagens decorrentes da prática de factos ilícitos (cfr. artigo 111.º do Código Penal), medida esta que tem como finalidade subtrair ao arguido (ou a terceiros) os proventos obtidos em resulta da prática de factos ilícitos típicos. A doutrina tem apontado, como fundamento político-criminal deste regime de perda de vantagens, finalidades preventivas (quer de prevenção geral, quer de prevenção especial) considerando que, ao procu- rar colocar o arguido na situação patrimonial em que estaria se não tivesse praticado determinado ilícito, subtraindo as vantagens resultantes do mesmo, se visa demonstrar que «o crime não compensa», ideia que é reafirmada «tanto sobre o concreto agente do ilícito-típico (prevenção especial ou individual), como nos seus reflexos sobre a sociedade no seu todo (prevenção geral), mas sem que neste último aspeto deixe de caber o reflexo da providência ao nível do reforço da vigência da norma (prevenção geral positiva ou de preven- ção)» (cfr., Jorge de Figueiredo Dias, Direito Penal Português – As consequências jurídicas do crime, Aequitas – Editorial Notícias, 1993, p. 632). No entanto, além destas finalidades preventivas, a este regime também está subjacente uma necessidade de restauração da ordem patrimonial dos bens correspondente ao direito vigente. Um Estado de direito não pode deixar de preocupar-se em reconstituir a situação patrimonial que existia antes de alguém através de condutas ilícitas ter adquirido vantagens patrimoniais indevidas, mesmo que estas não correspondam a um dano de alguém em concreto. Neste regime geral, a perda das vantagens pressupõe a demonstração de que as mesmas foram obtidas, direta ou indiretamente, como resultado da prática de um facto ilícito, ou seja, exige a prova, no processo, da existência de uma relação de conexão entre o facto ilícito criminal concreto e o correspondente proveito patrimonial obtido. Procurando fazer face às novas exigências colocadas pelo combate à criminalidade organizada e eco- nómico-financeira, cada vez mais sofisticada e geradora de elevados proventos, a Lei n.º 5/2002, de 11 de janeiro, introduziu no ordenamento jurídico nacional um regime de perda de vantagens resultantes da prática de determinados ilícitos que não exige a aludida demonstração. Com este regime, em caso de con- denação por um dos crimes integrantes do catálogo previsto no seu artigo 1.º, aprecia-se a congruência entre o património do arguido e os seus rendimentos lícitos, sendo declarado perdido em favor do Estado o valor do património do arguido que seja excessivo em relação aos seus rendimentos lícitos, se o arguido não ilidir a presunção de que esse património excessivo resultou da atividade criminosa [cfr., em geral, sobre esta matéria, Augusto Silva Dias, «Criminalidade organizada e combate ao lucro ilícito», in 2.º Congresso de Investigação Criminal, Almedina, Coimbra, 2010, pp. 23 a 47; João Conde Correia, «Da proibição do con- fisco à perda alargada», Imprensa Nacional Casa da Moeda, 2012; Jorge A. F. Godinho, «Brandos Costumes? O confisco penal com base na inversão do ónus da prova», in Liber Discipulorum para Jorge de Figueiredo
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