TRIBUNAL CONSTITUCIONAL Acórdãos 93.º Volume \ 2015

511 acórdão n.º 392/15 são do seu conhecimento pessoal, sendo ele que se encontra em melhores condições para investigar, explicar e provar a concreta proveniência do património ameaçado; por outro lado, as normas sub iudicio revelam que o legislador teve o cuidado de prevenir que, sendo mais difícil ao arguido provar a licitude de rendimentos obtidos num período muito anterior ao do processo, a prova da licitude dos rendimentos pode ser substituída pela prova de que os bens em causa estavam na sua titularidade há pelo menos cinco anos no momento da constituição como arguido ou que foram adquiridos com rendimentos obtidos no referido período, fazendo com que a prova necessária para que possa ser ilidi- da a presunção se torne menos onerosa; acresce ainda que, no plano processual, o regime de perda de bens previsto na Lei n.º 5/2002, embora assente numa condenação pela prática de determinado ilícito criminal (integrante do catálogo previsto no artigo 1.º da Lei n.º 5/2002), está sujeito a um procedi- mento próprio, enxertado no procedimento criminal pela prática de algum dos aludidos crimes, no qual o legislador não deixou de ter em atenção diversas garantias processuais. Acordam na 2.ª Secção do Tribunal Constitucional: I – Relatório A. foi condenado no Tribunal da Comarca de Braga, por acórdão proferido em 21 de novembro de 2014, pela prática de um crime de tráfico de estupefacientes, previsto e punido pelo artigo 21.º, n.º 1, do Decreto-Lei n.º 15/93, de 23 de janeiro, na pena de 6 anos de prisão. O mesmo acórdão julgou “procedente o incidente de liquidação deduzido pelo Ministério Público contra este arguido, nos termos previstos nos artigos 7.º e 8.º da Lei n.º 5/2002, de 11 de janeiro e, con- sequentemente, declarou perdido a favor do Estado o montante de € 4 454,25 – equivalente ao valor do património incongruente com o seu rendimento lícito – montante este que o mesmo arguido é condenado a pagar, mantendo-se o arresto de bens já decretados”. O arguido recorreu desta decisão para o Tribunal da Relação de Guimarães que, por acórdão proferido em 8 de junho de 2015, negou provimento ao recurso. O arguido recorreu desta decisão para o Tribunal Constitucional, ao abrigo do artigo 70.º, n.º 1, alí- nea b) , da Lei do Tribunal Constitucional (LTC), impugnando a “interpretação que se extraia do disposto nos artigos 7.º, 8.º e 9.º da Lei n.º 5/2002, no sentido de impor a um cidadão o ónus de provar a origem lícita do seu património, invertendo o ónus da prova e da presunção de inocência, por se entender que é inconstitucional por violação dos princípios constitucionais constantes dos artigos 18.º e 32.º, n. os 1 e 2, da Constituição da República Portuguesa”. Apresentou alegações que concluiu do seguinte modo: «1. O arguido invocou a inconstitucionalidade dos artigos 7.º a 9.º da Lei n.º 5/2002, de 11 de janeiro, por estabelecer uma inversão do ónus de prova e, assim, traduzir uma violação do direito ao silêncio e da presunção de inocência, tendo o Tribunal da Relação de Guimarães decidido pela sua improcedência. 2. A especificidade desta presunção que permite a declaração de perda de bens reside, essencialmente, no facto de se consagrarem regras de prova estranhas e mesmo contrárias às garantias do processo penal. 3. O legislador optou por romper com a nossa tradição jurídica, introduzindo uma presunção iuris tantum após a condenação por um dos crimes do catálogo previstos na Lei n.º 5/2002, defendendo que o património do arguido que se mostre incongruente com os seus rendimentos lícitos presume-se de proveniência ilícita.

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