TRIBUNAL CONSTITUCIONAL Acórdãos 93.º Volume \ 2015

510 TRIBUNAL CONSTITUCIONAL IV – OTribunal Constitucional, no Acórdão n.º 101/15, já foi chamado a pronunciar-se sobre questão idên- tica ao caso dos autos, tendo considerado que é importante para a apreciação da conformidade constitu- cional deste tipo de medidas de perda alargada de bens, designadamente, para saber se as mesmas ofen- dem o princípio da presunção da inocência nas suas diversas dimensões, ter em atenção a sua natureza, importando realçar que o estabelecimento da presunção legal cuja constitucionalidade é sindicada nos presentes autos não tem em vista a imputação ao arguido da prática de qualquer crime e o consequente sancionamento, mas sim privá-lo de um património, por se ter concluído que o mesmo foi adquirido ilicitamente, assim se restaurando a ordem patrimonial segundo o direito, o que situa a questão em plano diverso do que foi objeto de análise nos Acórdãos n. os 179/12 e 377/15 deste Tribunal. V – Embora a aplicação da medida de perda a favor do Estado tenha como pressuposto necessário a con- denação por um dos crimes do catálogo previsto no artigo 1.º da Lei n.º 5/2002, de 11 de janeiro, a imputação de um crime de catálogo funciona aqui apenas como pressuposto indiciador que poderão ter-se verificado ganhos patrimoniais de origem ilícita, não sendo a presunção de proveniência ilícita de determinados bens e a sua eventual perda em favor do Estado uma reação pelo facto de o arguido ter cometido um qualquer ato criminoso, tratando-se, antes, de uma medida associada à verificação de uma situação patrimonial incongruente, cuja origem lícita não foi determinada, e em que a con- denação pela prática de um dos crimes previstos no artigo 1.º da Lei n.º 5/2002, de 11 de janeiro, tem apenas o efeito de servir de pressuposto desencadeador da averiguação de uma aquisição ilícita de bens; assim, nesse procedimento, enxertado no processo penal, não operam as normas constitucionais da presunção da inocência e do direito ao silêncio do arguido. VI – Já no que respeita ao procedimento criminal pela prática dos factos integradores de algum dos crimes referidos no artigo 1.º da Lei n.º 5/2002, de 11 de janeiro, o arguido beneficia de todas as garantias de defesa em processo penal, não havendo qualquer alteração às regras da prova ou qualquer outra especificidade resultante do regime de perda de bens previsto na aludida Lei, o que significa que, no caso de haver condenação pela prática de tal crime, embora a presunção de inocência tenha sido tida em atenção no respetivo procedimento criminal que manteve a sua estrutura acusatória, a mesma veio a ser afastada pela prova produzida (e daí a condenação). VII – Ora, no regime previsto nas normas questionadas nos presentes autos que regulam o incidente de perda de bens enxertado no processo penal, a necessidade de o arguido carrear para o processo a prova de que a eventual incongruência do seu património tem uma justificação, demonstrando que os rendi- mentos que deram origem a tal património têm uma origem lícita, não coloca em causa a presunção de inocência que o mesmo beneficia quanto ao cometimento do crime que lhe é imputado naquele pro- cesso, nem de qualquer outro de onde possa ter resultado o enriquecimento, e também não inviabiliza o direito ao silêncio ao arguido, não se vislumbrando em que medida da demonstração da origem lícita de determinados rendimentos possa resultar uma autoincriminação relativamente ao ilícito penal que lhe é imputado nesse processo, e muito menos um desvio à estrutura acusatória do processo penal; não se descortina, pois, que exista um perigo real daquela presunção, que opera num incidente de perda de bens tramitado no processo penal respeitante ao crime cuja condenação é pressuposto da aplicação desta medida, contaminar a produção de prova relativa à prática desse crime, pelo que se conclui que a presunção legal estabelecida nas normas sub iudicio , não viola o princípio da presunção de inocência, nem o direito do arguido ao silêncio, nem a estrutura acusatória do processo penal. VIII– Por outro lado, a criação de uma presunção legal de conexão não resulta num ónus excessivo para o condenado, uma vez que a ilisão da presunção será efetuada através da demonstração de factos que

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