TRIBUNAL CONSTITUCIONAL Acórdãos 93.º Volume \ 2015
505 acórdão n.º 391/15 conferida ao arguido a possibilidade de abalar os fundamentos em que a presunção se sustenta e que baste para tal a contraprova dos factos presumidos, não se exigindo a prova do contrário. É o caso do Acórdão n.º 38/86 (acessível em www.tribunalconstitucional.pt ) , que decidiu não julgar inconstitucionais as normas dos artigos 169.º, § 1.º, e 557.º do Código de Processo Penal (de 1929) e as do artigo 2.º, n.º 2 e seu § único, do Decreto-Lei n.º 35 007, de 13 de outubro de 1948, que se referiam à “fé em juízo” do auto de notícia em processo sumário. Também o Acórdão n.º 448/87 (acessível em www.tribunalconstitucional.pt ) , entre outros, no mesmo sentido, sobre a mesma questão, que decidiu não julgar inconstitucional a norma do artigo 26.º, n.º 3, do Decreto-Lei n.º 85-C/75, de 26 de fevereiro (Lei de Imprensa), na medida em que determinava que, no caso de escritos ou imagens não assinados, publicados na imprensa periódica e consubstanciando um crime de abuso de liberdade de imprensa, fosse havido como autor do escrito ou imagem o respetivo diretor, o que o responsabilizava como autor do crime, a não ser que provasse que não conhecia o dito escrito ou imagem ou lhe não tivesse sido possível impedir a respetiva publicação. Considerou o Tribunal que não se mostrava violado o princípio da presunção de inocência, referindo, na fundamentação, o seguinte: «Na verdade, pode dizer-se que a dimensão deste princípio suscetível de estar em causa na hipótese – tratando- se nela, como se trata, da presunção de um puro facto – seria, não a que proíbe o estabelecimento de presunções de “culpabilidade” (não é, com efeito, a culpa do agente que aí se presume), mas antes a que respeita ao tema da prova em processo penal e se exprime (…) na regra segundo a qual uma situação de non liquet na questão de facto deverá ser valorada e resolvida em favor do réu. Ora, o que sucede é que, sendo a presunção em apreço meramente relativa – pois sempre o diretor é admitido a fazer prova de que não teve conhecimento do escrito (ou de que não pôde impedir a respetiva publicação), a mesma presunção redunda em não mais do que uma simples prova de ínterim ou de primeira aparência, pelo que ainda quanto aos factos a que respeita pode operar, bem vistas as coisas, a mencionada regra in dubio pro reo : basta, para tanto, que através da prova trazida ao processo o diretor do periódico crie uma situação de incerteza ( de non liquet ) acerca da questão de facto, ou seja, acerca dos factos integrados na presunção». Ainda neste mesmo sentido se pronunciou o Acórdão n.º 246/96 (acessível em www.tribunalconstitu- cional.pt ), no qual se decidiu não julgar inconstitucionais as normas do artigo 22.º, n. os 1 e 2, do Regime Jurídico das Infrações Fiscais Aduaneiras, na sua interpretação conjugada, segundo a qual se presumem não nacionais as mercadorias que forem colocadas ou detidas em circulação no interior do território aduaneiro sem o processa- mento das competentes guias ou outros documentos legalmente exigíveis ou sem a aplicação de selos, marcas ou outros sinais legalmente prescritos. E é ainda o caso do Acórdão n.º 276/04, que decidiu interpretar, nos termos do disposto no artigo 80.º, n.º 3, da Lei do Tribunal Constitucional, o n.º 1 do artigo 152.º do Código da Estrada, no sentido de que este preceito se limita a estabelecer uma presunção ilidível de que o proprietário ou possuidor do veículo é o seu condutor, desde que não identifique outrem como tal, tendo-se considerado, remetendo para jurispru- dência anterior do Tribunal, que a existência de presunções, mesmo em direito penal, não é constitucional- mente inadmissível, desde que ilidíveis. Todas estas decisões revelam que concluir-se pela prova de um facto em resultado do funcionamento de uma presunção é compatível, em processo penal, com uma presunção geral de inocência e com o princípio in dubio pro reo . O princípio da presunção da inocência, tendo sido consagrado pela primeira vez na Declaração dos Direitos do Homem e do Cidadão, veio a ter posterior acolhimento no artigo 11.º da Declaração Universal dos Direitos do Homem e no artigo 6.º da Convenção Europeia dos Direitos do Homem, encontrando-se previsto no n.º 2 do artigo 32.º da Constituição, no qual se dispõe que «todo o arguido se presume inocente até ao trânsito em julgado da sentença de condenação, devendo ser julgado no mais curto prazo compatível com as garantias de defesa».
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