TRIBUNAL CONSTITUCIONAL Acórdãos 93.º Volume \ 2015

501 acórdão n.º 391/15 2.2. Da interpretação do artigo 97.º, n.º 5, do Código de Processo Penal O recorrente questiona a constitucionalidade da norma constante do artigo 97.º, n.º 5, do Código de Processo Penal, na interpretação segundo a qual a fundamentação da decisão que decreta a medida de prisão preventiva, pode ser feita por remissão para a promoção do Ministério Público. Alega que esta interpretação viola o princípio da reserva de juiz, consagrado no artigo 32.º, n.º 4, da Constituição, e o dever de fundamentação das decisões judiciais imposto no artigo 205.º da Constituição. O artigo 32.º, n.º 4, da Constituição, dispõe que toda a instrução é da competência de um juiz, o qual pode, nos termos da lei, delegar noutras entidades a prática de atos instrutórios que não se prendam direta- mente com os direitos fundamentais. Se a identificação processual da “instrução”, a que se refere este preceito, impondo a sua judicialização, suscita algumas dificuldades, a existência de uma reserva do juiz na prática de atos durante a fase investigató- ria que afetem os direitos, liberdades e garantias é indiscutível. Só um juiz, dotado de independência e impar- cialidade, é que nessa matéria pode assumir o papel de garante dos cidadãos. Daí que a decisão de aplicar a um arguido em processo penal a medida de coação de prisão preventiva só possa ser tomada por um juiz. A função de tutela preventiva dos direitos fundamentais que o Juiz de Instrução Criminal desempenha impõe seguramente que ele ajuíze, de forma crítica e autónoma, as razões de facto e de direito invocadas pelo Ministério Público para promover a medida de prisão preventiva. Na verdade, só uma decisão que resulte de uma ponderação própria dá conteúdo material efetivo à reserva de juiz. A satisfação, em grau máximo, desta exigência, só se dá quando o juiz “subjetiva” a fundamentação da pri- são preventiva, formulando, através de palavras suas, a convicção, que o determinou, de que qualquer outra das medidas de coação é inadequada e insuficiente. Quando assim é, fica patente aos olhos de todos, sem margem para qualquer dúvida, que estamos perante uma decisão pessoal do juiz, cujo conteúdo é da sua responsabi- lidade e não “preformatado” pelo requerimento do Ministério Público. Como se deixou escrito no Acórdão n.º 189/99 (acessível em www.tribunalconstitucional.pt ) : «(…) É óbvio que o despacho, que melhor espelha a responsabilização pessoal do juiz pela ordem de prisão que dá, é aquele em que o juiz enuncia, ele próprio, os motivos de facto da decisão tomada, em vez de se remeter para as razões invocadas pelo Ministério Público». Mas a circunstância da fundamentação da decisão que coloca um arguido em prisão preventiva, pro- ferida por um juiz, remeter para anterior promoção do Ministério Público, não permite, só por si, retirar a conclusão que ela não traduz uma opção livre, autónoma e independente do seu subscritor, uma vez que o quadro em que é feita a remissão pode revelar que a decisão tomada não deixou de ser o resultado duma ponderação própria. A adoção de tal técnica na exposição dos motivos que fundamentam a escolha dessa medida de coação pode significar que o seu autor considerou boas as razões que o Ministério Público invocou para fundamentar a sua proposta de decisão, pelo que as acolheu e fez suas, não tendo visto necessidade de recorrer a outras linhas de fundamentação ou de as expor em redação própria. Daí que, independentemente do juízo quanto à forma mais correta de dar cumprimento ao dever cons- titucional de fundamentação, não se possa concluir, em abstrato, que a opção de remeter para o conteúdo de anterior promoção do Ministério Público requerendo a aplicação da medida de prisão preventiva atente, sem mais, contra o princípio da reserva de juiz. Nessa medida, a interpretação segundo a qual a fundamentação dessa decisão pode ser feita para a promoção do Ministério Público não é, em si mesma, inconstitucional, como já anteriormente decidiram os Acórdãos n. os 189/99 e 396/03 (acessíveis em www.tribunalconstitucional.pt ) . Só em concreto se poderá avaliar se a decisão proferida, neste ou em qualquer outro processo, pelo Juiz de Instrução Criminal é suscetível de originar dúvidas sobre se a mesma transmite um juízo autónomo e pessoal do seu subscritor ou representa um simples «“ir atrás” do Ministério Público» (Acórdão n.º 189/99). E esse é um juízo que cabe exclusivamente às instâncias, não tendo o Tribunal Constitucional competência para o formular. Quanto à observância do dever de fundamentação, o artigo 205.º da Constituição impõe que as deci- sões dos tribunais que não sejam de mero expediente devam ser fundamentadas na forma prevista na lei.

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