TRIBUNAL CONSTITUCIONAL Acórdãos 93.º Volume \ 2015

499 acórdão n.º 391/15 Note-se que está implícito na decisão recorrida que ela não considera que nestas circunstâncias a não audição pessoal do arguido constitua uma irregularidade processual, antes entende que cabe nos poderes do juiz de instrução criminal dispensar essa audição ou determiná-la, se a entender necessária ou conveniente, designadamente a requerimento do arguido. É esta a interpretação normativa cuja constitucionalidade importa apurar. O Ministério Público invoca como precedente o decidido no Acórdão n.º 350/06 do Tribunal Constitu- cional (acessível em www.tribunalconstitucional.pt ) . Nesse aresto julgou-se não inconstitucional a interpreta- ção das normas dos artigos 61.º, n.º 1, alínea b) , 118.º, n. os 1 e 2, 119.º, 120.º, 123.º, n.º 1, e 194.º, n.º 2, do Código de Processo Penal, no sentido de que constitui irregularidade, a arguir no próprio ato, a prolação de despacho judicial a determinar a aplicação da medida de coação de prisão preventiva do arguido, na sequência de promoção do Ministério Público formulada após o termo do primeiro interrogatório judicial de arguido detido, sem que este, assistido por mandatário por ele constituído, presente ao ato, tenha sido ouvido sobre essa promoção, sem invocação fundamentada de impossibilidade ou inconveniência dessa audição. Contudo, a norma apreciada nesse aresto distancia-se da interpretação em apreço no presente recurso, uma vez que se reporta a uma situação em que, após a realização de interrogatório de arguido detido se aplicou a medida de prisão preventiva sem ouvir o arguido e o seu defensor, tendo a decisão recorrida con- siderado que essa omissão constituía uma mera irregularidade processual que necessitava de ser arguida pelo interessado no ato. Neste processo está apenas em causa a não audição pessoal do arguido em igual situação, uma vez que o defensor deste, presente no ato, teve oportunidade e pronunciou-se sobre a proposta de aplica- ção da medida de prisão preventiva proposta pelo Ministério Público, tendo a decisão recorrida considerado dispensável a audição pessoal do arguido, não entendendo que tivesse ocorrido qualquer atropelo à trami- tação legalmente prevista e reconhecendo ao juiz que preside ao interrogatório o poder de legitimamente dispensar essa audição. A questão de constitucionalidade em apreço deve ser analisada à luz do princípio das garantias de defesa, consagrado no artigo 32.º, n.º 1, da Constituição, conjugado com o princípio do contraditório, ao qual o n.º 5, do mesmo artigo 32.º subordina o processo penal. A norma do n.º 1 do artigo 32.º, enquanto «cláusula geral» que permite identificar outras possíveis concre- tizações judiciais do princípio da defesa não referenciadas no texto constitucional, configura o processo criminal como um due process of law, determinando a ilegitimidade das normas processuais e dos procedimentos dela decorrentes que impliquem uma diminuição inadmissível das possibilidades de defesa do arguido. Por outro lado, o princípio do contraditório, expressamente referido no n.º 5 do artigo 32.º da Cons- tituição, enquanto direito de audiência, deve ser observado relativamente a todos os atos suscetíveis de afetarem a pessoa ou a posição do arguido ao longo do processo, obrigando a que este tenha a oportunidade de se pronunciar sobre as decisões a tomar com essas características, assegurando-se, assim, não só o direito de defesa daquele, mas também “a sua participação constitutiva na declaração do direito do caso e, através dela, na conformação da sua situação jurídica futura” (Figueiredo Dias, em Direito processual penal , 1.º vol., p. 159, edição de 1974, da Coimbra Editora). Um desses atos é seguramente a aplicação ao arguido de medida de coação que afeta no grau máximo a sua liberdade, como sucede com a prisão preventiva. Se é hoje pacífica a opinião que, por imposição constitucional (artigo 32.º, n. os  1 e 5), as medidas de coação que se traduzam em restrições à liberdade do arguido não podem ser aplicadas, em regra, sem que antes tenha sido dada a oportunidade ao arguido de se defender, ilidindo, refutando ou enfraquecendo a prova dos pressupostos que as podem legitimar, através da apresentação da sua versão sobre os factos, da demonstração da inexistência de exigências cautelares que justifiquem a medida, ou ainda da sua inadequação ou desproporcionalidade [cfr., por todos, Nuno Brandão em “Medidas de coação: o procedimento de aplicação na revisão do CPP”, na Revista do Centro de Estudos Judiciários , n.º 9 (especial), 1.º semestre de 2008, p. 77], necessariamente a decisão que pondere a colocação do arguido em prisão preventiva, em regra, tem que ser precedida da audição deste. E esta oportunidade do arguido se pronunciar sobre a eventual aplicação de uma medida que irá privá-lo da liberdade tem que ser

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