TRIBUNAL CONSTITUCIONAL Acórdãos 93.º Volume \ 2015

496 TRIBUNAL CONSTITUCIONAL que a decisão do Juiz de Instrução Criminal que decretou a prisão preventiva fazia uso de juízos presuntivos na determinação dos factos considerados suficientemente indiciados, em nenhum trecho dessa decisão se assumia expressamente o uso de tal meio probatório e se sustentava a sua admissibilidade em processo penal. Tal só ocorreu com o acórdão da Relação de Lisboa de 17 de março de 2015, como acima se transcreve no ponto 1.4.9., pelo que não era exigível que o recorrente tivesse antecipadamente questionado a constitucio- nalidade do critério normativo aí sustentado. Quanto à alegação de que tal critério não integra a ratio decidendi daquele aresto, o Ministério Público apenas refere, no que respeita às questões 8) e 11), que o mesmo nunca aludiu às presunções previstas nos artigos 349.º e 350.º do Código Civil. O acórdão da Relação de Lisboa de 17 de março de 2015, conforme resulta da transcrição do excerto constante do ponto 1.4.9. deste acórdão, apenas se reporta às “presunções judiciais”, isto é às ilações que o julgador tira de um facto conhecido para firmar um facto desconhecido, e às quais se refere, a par das presunções legais, o artigo 349.º do Código Civil, sendo certo que o artigo 350.º do mesmo diploma dispõe sobre o regime civilístico destas últimas. Uma vez que a referência constante do enunciado normativo alegado pelo recorrente às presunções mencionadas no artigo 349.º do Código Civil não deixa de abranger as presunções judiciais, as quais são objeto da interpretação normativa sustentada pela decisão recorrida, não deve o recurso deixar de ser conhe- cido nesta parte, restringindo-se o seu objeto à utilização das presunções judiciais em processo penal. As questões 8) e 11) têm o mesmo conteúdo, apesar da interpretação questionada se encontrar reportada a diferentes preceitos legais. Dado que o recurso de constitucionalidade tem natureza instrumental e a deci- são recorrida sustentou a possibilidade de utilização de presunções judiciais no âmbito do disposto no artigo 127.º do Código de Processo Penal, e não no disposto no artigo 125.º do mesmo diploma, deve adotar-se a referência àquele dispositivo. Assim, as interpretações normativas cuja constitucionalidade deve ser fiscalizada pelo Tribunal Consti- tucional neste processo são as seguintes: – a norma constante do artigo 194.º, n.º 4, do Código de Processo Penal, na interpretação segundo a qual é dispensável a audição pessoal do arguido, relativamente à proposta de aplicação da medida de prisão preventiva, quando ele tenha sido ouvido para os efeitos do artigo 141.º do mesmo diploma; – a norma constante do artigo 97.º, n.º 4, do Código de Processo Penal, na interpretação segundo a qual a fundamentação da decisão que decreta a medida de prisão preventiva pode ser feita por remissão para a promoção do Ministério Público; – a norma constante do artigo 127.º do Código de Processo Penal, na interpretação de que a apre- ciação da prova segundo as regras da experiência e a livre convicção do julgador permite o recurso a presunções judiciais em processo penal. 2. O mérito do recurso 2.1. Da interpretação do artigo 194.º, n.º 4, do Código de Processo Penal O recorrente questiona a constitucionalidade do artigo 194.º, n.º 4, do Código de Processo Penal, na inter- pretação segundo a qual é dispensável a audição pessoal do arguido, relativamente à proposta de aplicação da medida de prisão preventiva, quando ele tenha sido ouvido para os efeitos do artigo 141.º do mesmo diploma. Alega que esta interpretação, ao não conferir ao arguido a oportunidade de se pronunciar pessoalmente sobre a proposta de aplicação da medida de prisão preventiva efetuada pelo Ministério Público, viola os direitos de defesa do arguido, genericamente reconhecidos no artigo 32.º, n.º 1, da Constituição, designa- damente o direito ao contraditório. O procedimento para aplicação de medidas de coação em processo penal encontra-se genericamente previsto no artigo 194.º do Código de Processo Penal, onde se dispõe, na parte que para a resolução desta questão de constitucionalidade releva:

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