TRIBUNAL CONSTITUCIONAL Acórdãos 93.º Volume \ 2015

494 TRIBUNAL CONSTITUCIONAL face ao facto e às circunstâncias concretas do seu cometimento”, “presunções ligadas ao princípio da norma- lidade ou da regra geral da experiência”, “ilações”, “presunções (…) (judiciais) que atuam como meios de prova”, “adequação presuntiva” ou indícios “com elevado grau de probabilidade”. Este enunciado não tem conteúdo normativo, uma vez que se reporta à utilização de determinadas e concretas expressões na fundamentação do acórdão proferido pelo Tribunal da Relação de Lisboa em 17 de março de 2015, não sendo posto em causa um qualquer critério adotado por esta decisão, dotado de genera- lidade e abstração, mas sim a própria utilização de determinados termos na fundamentação daquela decisão. Não sendo impugnada a constitucionalidade de uma qualquer interpretação normativa, mas sim os ter- mos como se mostra redigida a fundamentação de uma das decisões recorridas, não tem o objeto do recurso, nesta parte, conteúdo normativo, pelo que não pode o Tribunal Constitucional apreciar esta questão de constitucionalidade. 1.4.9. Da questão 13)  O recorrente pretende que o Tribunal Constitucional fiscalize a constitucionalidade do artigo 127.º do Código de Processo Penal, na interpretação de que tal disposição legal permite ao juiz, para além da apre- ciação dos diferentes meios de prova e para efeito de julgar verificados os fortes indícios a que se refere o artigo 202.º, n.º 1, a própria criação, suposição ou invenção de factos, ou de indícios deles, baseando a livre convicção em regras da experiência que se reconduzem a adágios populares e à sabedoria popular do homem médio, e por recurso às presunções de prova previstas nos artigos 349.º e 350.º do Código Civil. Da leitura dos acórdãos recorridos verifica-se que em parte alguma se sustentou que para efeitos de jul- gar verificados os fortes indícios a que se refere o artigo 202.º, n.º 1, do Código de Processo Penal, é possível ao juiz criar, supor ou inventar factos, ou indícios deles. Também já se verificou no ponto 1.4.7. que o tribunal recorrido, quando verificou nas provas que lhe foram apresentadas a existência de indícios fortes da prática pelo arguido de ilícitos criminais tenha impli- citamente adotado o critério segundo o qual a apreciação da prova segundo as regras da experiência e a livre convicção do julgador permite o recurso a adágios populares e à sabedoria popular do homem médio. Na verdade, no acórdão proferido em 17 de março de 2015 apenas se lê o seguinte: «Como diz o adágio popular, “gato escondido, com rabo de fora”. Se a franja de prova (o rabo do gato) está já muito visível, por força também (mas não só) de regras de presun- ção lícitas aceitáveis como cimento importante da convicção sobre a prova indiciária, podemos também concluir, em face das circunstâncias e contornos do caso, ser altamente provável que os fundos financeiros em causa, no todo ou pelo menos em parte, pudessem ser originados nas ou pelas suas ligações políticas e do seu amigo como gestor, ao B., a negócios de favor, (o corpo do gato escondido) e à atividade do arguido mesmo, quiçá, durante o exercício das suas funções políticas em que aqueles negócios se firmaram ou desenvolveram. É por isso que os tribunais, quantas vezes sem prova direta, tenham de se socorrer de presunções. Na verdade, sabemos já que, em muitas situações, a prova dos factos, tem de resultar de outros factos que não se comprovam em si próprios, mas de ilações, retiradas face ao facto e às circunstâncias concretas do seu cometimento – cfr., a este respeito, M. Cavaleiro de Ferreira, Lições de Direito Penal, Vol. 1, Lisboa/S. Paulo, Ed. Verbo, 1992, pp. 297 e 298. É o que acontece, com frequência, a título de exemplo, com o elemento intencional, dado que o dolo pertence à vida interior de cada um e é, portanto, insuscetível de direta apreensão, só é possível captar a sua existência através de factos materiais comuns, de que o mesmo se possa concluir, podendo de facto comprovar-se a verificação do dolo por meio de presunções, ligadas ao princípio da normalidade ou da regra geral da experiência” – Ac. RP de 23/02/1983, BMJ 324, 620 – ou também com aquele conjunto de factos dos quais só num processo lógico e concatenado, como se de um “puzzle” se tratasse, se pode retirar ilações, desde que coerentes, que os demonstrem ou tornem fortemente admissíveis, mesmo sem prova direta, de acordo com as habituais regras da experiência, presunções essas (judiciais) que atuam como meios de prova que assentam no raciocínio do julgador, inspirando-se nas máximas daquela experiência,

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