TRIBUNAL CONSTITUCIONAL Acórdãos 93.º Volume \ 2015

471 acórdão n.º 381/15 «(…) no plano da lei geral, a confidencialidade das telecomunicações é expressamente garantida pela Lei de Tratamento de Dados Pessoais e Proteção da Privacidade no Setor das Comunicações Eletrónicas (Lei n.º 41/2004, de 18 de agosto) e, particularmente, pelo artigo 4.º desta Lei, que assegura a inviolabilidade das comunicações e respetivos dados de tráfego no domínio das redes públicas de comunicações e dos serviços de comunicações ele- trónicas acessíveis ao público, proibindo a escuta, a instalação de dispositivos de escuta, o armazenamento e outros meios de interceção ou vigilância de comunicações sem o consentimento prévio e expresso dos utilizadores, com exceção apenas dos casos previstos na lei. O sigilo das telecomunicações merece, porém, garantias inscritas logo ao nível fundamental da Constituição, dispondo o seu artigo 34.º, nos n. os 1 e 4, que “o domicílio e o sigilo da correspondência e dos outros meios de comunicação privada são invioláveis”, e que “é proibida toda a ingerência das autoridades públicas na correspon- dência, nas telecomunicações e nos demais meios de comunicação, salvo os casos previstos na lei em matéria de processo criminal” (veja-se, quanto a estes aspetos, o Parecer da PGR n.º 21/2000, publicado no Diário da Repú- blica , II Série, de 28 de agosto de 2000, que se acompanhará por alguns momentos). Por força do estatuído neste n.º 4, o direito ao sigilo das telecomunicações implica a proibição de devassa do seu conteúdo e da sua divulgação por quem a elas tenha acesso, designadamente os empregados dos serviços de telecomunicações para quem decorre o dever de sigilo profissional. E, correspondentemente, traduzindo o relevo e proteção na conformação de valores fundamentais, o Código Penal incriminou condutas violadoras do direito dos cidadãos à comunicação reservada através dos artigos 192.º, n.º 1, alínea a) , e 194.º, que têm o respetivo âmbito de proteção definido para a intromissão na vida privada mediante acesso às comunicações telefónicas e a violação da correspondência e das telecomunicações. A inviolabilidade da correspondência e de outros meios de comunicação está, por seu turno, relacionada com a reserva de intimidade da vida privada a que se reporta o artigo 26.º da Constituição da República. O direito à intimidade da vida privada, como garantia de resguardo, de reserva, de proteção, supõe a faculdade de impedir a revelação de factos relativos à vida íntima e familiar, de requerer a cessação de algum eventual abuso e o ressarci- mento dos danos derivados da divulgação de um facto respeitante à vida privada.  Só no domínio do processo penal é que a lei ordinária pode prever restrições à referida garantia contida no artigo 34.º, n.º 4. As necessidades de perseguição penal e de obtenção de provas justificam a compressão do direito individual à comunicação reservada, mas carecem de ser avaliadas pelas autoridades judiciárias em termos de necessidade, adequação e proporcionalidade, de tal modo que violado que seja o princípio da menor intervenção possível e da proporcionalidade, há de a prova assim obtida ser considerada nula (artigos 32.º, n.º 8, da Constitui- ção e 189.º do Código de Processo Penal).  É neste plano que se compreendem as limitações que são impostas pelo Código de Processo Penal no tocante à obtenção de prova através de escutas telefónicas, e que resultam do disposto nos artigos 187.º a 190.º (tendo em consideração a redação anterior à Lei n.º 48/2007, de 29 de agosto, aplicável ao caso).  O primeiro desses preceitos define as condições em que é admissível a interceção e a gravação de conversações ou comunicações telefónicas, especificando que elas só podem ser ordenadas ou autorizadas, por despacho do juiz, relativamente aos crimes que aí são identificados e apenas “se houver razões para crer que a diligência se revelará de grande interesse para a descoberta da verdade ou para a prova”.  Por sua vez, o artigo 188.º, com a redação resultante da Lei n.º 59/98, de 5 de agosto, e do Decreto-Lei n.º 320-C/2000, de 15 de dezembro, providencia sobre as “formalidades das operações” (…).  Como o regime processual claramente pressupõe, a admissibilidade da interceção e gravação de conversações e comunicações telefónicas ou transmitidas por outro meio técnico está conformada pelo princípio da proporcionali- dade: não só pela especial gravidade dos casos em que é admitida (os chamados “crimes de catálogo”), mas também pela exigência de um juízo da necessidade e do grande interesse para a descoberta da verdade. De tal modo que, pelos termos da revelação processual do regime de intromissão nas comunicações e das respetivas garantias de que está rodeado, poder-se-á dizer que o sigilo das comunicações é tendencialmente absoluto (neste sentido, o Parecer da PGR n.º 16/94/Complementar, de 2 de maio de 1996, publicado em Pareceres, vol. VI, p. 535).

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