TRIBUNAL CONSTITUCIONAL Acórdãos 93.º Volume \ 2015
462 TRIBUNAL CONSTITUCIONAL qualquer justificação razoável, de acordo com critérios de valor objetivos, constitucionalmente relevantes, quer a identidade de tratamento para situações manifestamente desiguais; proibição de discriminação, não sendo legítimas quaisquer diferenciações de tratamento entre os cidadãos baseadas em categorias meramente subjetivas ou em razão dessas categorias; obrigação de diferenciação, como forma de compensar a desigual- dade de oportunidades, o que pressupõe a eliminação, pelos poderes públicos, de desigualdades fácticas de natureza social, económica e cultural (cfr. Gomes Canotilho e Vital Moreira, Constituição da República Por- tuguesa Anotada, Volume I, 4.ª edição revista, Coimbra Editora, 2007, p. 339). No caso dos autos, embora o legislador tenha consagrado no Regime Geral das Contraordenações, com as alterações introduzidas pelo Decreto-Lei n.º 244/95, de 14 de setembro, a regra da proibição da reformatio in pejus no processo de contraordenação, tal regra tem sido afastada em alguns regimes aplicáveis a determi- nados setores. Na verdade, o aludido regime diferenciado verifica-se não apenas no que respeita à impugnação das decisões previstas no n.º 8 do artigo 416.º do Código de Valores Mobiliários, mas também nas prevista no artigo 230.º, n.º 3, do Regime Geral das Instituições de Crédito e Sociedades Financeiras, no artigo 88.º, n.º 1, da Lei n.º 19/2012, de 8 de maio (Lei da Concorrência) e no artigo 75.º da Lei n.º 50/2006, de 29 de agosto (Lei-quadro das Contraordenações Ambientais). Estando-se num domínio reservado à margem de conformação do legislador, há que apenas apreciar se tal diferença de regime legislativo se poderá ter por irrazoável. A este respeito, importa ter em atenção o Acórdão n.º 546/11, onde o Tribunal refere o seguinte: «(…) não cabe ao juiz constitucional garantir que as leis se mostrem, pelo seu conteúdo, “racionais”. O que lhe cabe é apenas impedir que elas estabeleçam regimes desrazoáveis, isto é, disciplinas jurídicas que diferenciem pes- soas e situações que mereçam tratamento igual ou, inversamente, que igualizem pessoas e situações que mereçam tratamento diferente. Só quando for negativo o teste do “merecimento” – isto é, só quando se concluir que dife- rença, ou a igualização, entre pessoas e situações que o regime legal estabeleceu não é justificada por um qualquer motivo que se afigure compreensível face à ratio que o referido regime, em conformidade com os valores consti- tucionais, pretendeu prosseguir – é que pode o juiz constitucional censurar, por desrazoabilidade, as escolhas do legislador. Fora destas circunstâncias, e, nomeadamente, sempre que estiver em causa a simples verificação de uma menor “racionalidade” ou congruência interna de um sistema legal, que contudo não se repercuta no trato diverso – e desrazoavelmente diverso, no sentido acima exposto – de posições jurídico-subjetivas, não pode o Tribunal Constitucional emitir juízos de inconstitucionalidade. Nem através do princípio da igualdade (artigo 13.º) nem através do princípio mais vasto do Estado de direito, do qual em última análise decorre a ideia de igualdade perante a lei e através da lei (artigo 2.º) pode a Constituição garantir que sejam sempre “racionais” ou “congruentes” as escolhas do legislador. No entanto, o que os dois princípios claramente proíbem é que subsistam na ordem jurídica regimes legais que impliquem, para as pessoas, diversidades de tratamento não fundadas em motivos razoáveis.» No caso concreto, estando-se no domínio das contraordenações e da impugnação, nos termos já referi- dos, da decisão proferida pela autoridade administrativa, não há uma imposição constitucional de proibição de reformatio in pejus . Por outro lado, sendo certo que, no que respeita ao regime geral das contraordenações, o legislador optou por consagrar a regra de proibição de reformatio in pejus , tal não impede que, em determinados setores, atendendo à especificidade dos mesmos, haja um desvio do regime geral, como aconteceu no caso concreto e acontece a respeito de outros aspetos em outros regimes ( v. g. , limites mínimos e máximos das coimas, prazos e regime de prescrição, etc.), em que o legislador, dentro da liberdade de conformação que lhe é conferida estabelece regras que se afastam do regime geral, construindo regimes especiais. Ora, atendendo à especificidade do setor regulado pelo Código de Valores Mobiliários e aos valores que este se propõe tutelar, bem como à tendencial maior complexidade dos ilícitos contraordenacionais previstos
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