TRIBUNAL CONSTITUCIONAL Acórdãos 93.º Volume \ 2015
460 TRIBUNAL CONSTITUCIONAL Com efeito, conforme resulta do regime geral das contraordenações, o processo contraordenacional tem uma fase administrativa e, no caso de impugnação da decisão aplicada nesta fase, segue-se uma fase jurisdi- cional em que o arguido dispõe não apenas da possibilidade de sindicar a legalidade da decisão, mas também de um conjunto de amplas faculdades de exercício do seu direito de defesa e de contraditório. A impugnação dá lugar, não a um recurso propriamente dito, mas a um novo processo de natureza jurisdicional, em que o tribunal não se limita a apreciar a decisão, mas todo o processado nos autos, podendo ser produzida prova neste processo judicial, quer pela autoridade administrativa recorrida, quer pelo arguido, sendo que o tribu- nal valora em conjunto toda a prova produzida nos autos, quer a já produzida na fase administrativa, quer a realizada na fase jurisdicional, particularmente a que venha a ter lugar em audiência. Ou seja, o tribunal, ao apreciar a impugnação da decisão administrativa, não está vinculado à quali- ficação efetuada pela entidade administrativa que proferiu a decisão, apreciando quer os factos (com base nas provas que são apresentadas no âmbito do recurso), quer a matéria de direito (qualificação jurídica dos factos e sanções aplicadas). Quando o processo é enviado para o Tribunal, na sequência da impugnação do arguido, tudo se passa, assim, como se tivesse lugar um novo julgamento, em que a decisão passa a ser tida como acusação e, como tal, passa a delimitar o objeto do processo. Tendo o legislador optado por dar esta configuração ao regime geral da impugnação da decisão da auto- ridade administrativa em processo de contraordenação, não está impedido de, dentro da margem de livre conformação de que dispõe, e face às amplas possibilidades de defesa e de exercício do contraditório conferi- das ao arguido no âmbito deste processo de impugnação, afastar em alguns regimes especiais a proibição da reformatio in pejus em relação à decisão da entidade administrativa, como sucede com o disposto no artigo 416.º, n.º 8, do Código dos Valores Mobiliários, impedindo assim que a decisão administrativa se imponha, no que respeita à sanção aplicada, ao Tribunal. Com efeito, repete-se, sendo certo que o direito de acesso ao direito e à tutela jurisdicional efetiva, consagrado constitucionalmente, pressupõe a garantia da via judiciária, que implica que sejam outorgados ao interessado os meios ou instrumentos processuais adequados para fazer valer em juízo, de forma efetiva, o seu direito, e que uma das dimensões em que se concretiza a garantia da via judiciária é justamente o direito de acesso, sem constrangimentos substanciais, ao órgão jurisdicional para ver dirimido um litígio, a norma sindicada, não cria, em rigor, um qualquer obstáculo ou impedimento ao direito à impugnação judicial, se entendermos como tal a imposição ao recorrente de um qualquer ónus ou necessidade de cumprimento de um determinado requisito que tenha de ser preenchido para que a impugnação seja admitida. Nesse sentido, não se pode dizer que esta norma contenha qualquer restrição de acesso à via jurisdicional. Por outro lado, é certo, no entanto, que não existindo proibição de reformatio in pejus o recorrente terá de fazer uma ponderação prévia quanto à decisão de interposição da impugnação judicial, face à possibi- lidade de a decisão impugnada vir a ser modificada em seu desfavor. No entanto, a existência deste risco, tem de ser ponderada em conjugação com o tipo de impugnação em causa, em que, conforme se referiu, o tribunal conhece dela com plena jurisdição, havendo lugar a um novo julgamento da questão. Tendo o legislador conformado um meio de impugnação das decisões sancionatórias das autoridades administrativas com estas características, entendeu também, em alguns regimes especiais acima referidos, não ser de limitar ou vincular os poderes do tribunal ao já decidido pela autoridade administrativa sobre a res- ponsabilidade contraordenacional, atendendo, por um lado, aos interesses e bens jurídicos envolvidos neste específico setor, e por outro lado, às especiais qualidades dos intervenientes. Esta não vinculação da instância jurisdicional à decisão administrativa implica também que o tribunal possa formular um juízo autónomo sobre a medida da sanção relativamente à infração objeto do respetivo julgamento, independentemente de se manterem ou não inalterados os elementos de facto e de direito tidos em conta na decisão administrativa. Perante este quadro processual não há razões para que se considere que o regime em análise consagre um condicionamento excessivo, sendo certo que o recorrente não deixa de ser alertado, como impõe o regime em questão (artigo 416.º, n.º 8, do Código de Valores Mobiliários), para a possibilidade da sanção
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