TRIBUNAL CONSTITUCIONAL Acórdãos 93.º Volume \ 2015
46 TRIBUNAL CONSTITUCIONAL interligados, constituindo a reserva da intimidade da vida privada uma dimensão do direito, mais amplo, referente ao desenvolvimento da personalidade, o qual, não obstante se qualificar como um direito especial de personalidade, não se esgota nele, pois está consagrado constitucionalmente como um direito autónomo, o qual comporta a liberdade de comunicar, que, enquanto refração do direito ao desenvolvimento da personalidade e da tutela da privacidade, mereceu no texto constitu- cional um recorte material específico, através da autonomização, no artigo 34.º, do sigilo dos meios de comunicação privada. IV – Assim, pode falar-se de um «direito à autodeterminação comunicativa» que serve para defender vários bens jurídico-constitucionais e que se distingue do direito à autodeterminação informativa, consa- grado no artigo 35.º da Constituição, que visa a proteção das pessoas perante o tratamento de dados pessoais informatizados; diferentemente, o objeto de proteção do direito à autodeterminação comu- nicativa reporta-se a comunicações individuais efetivamente realizadas ou tentadas só essas estando cobertas pelo sigilo de comunicações, sendo possível assinalar naquele direito uma dupla vertente: enquanto proteção de uma reserva da vida privada e enquanto liberdade de atuação, ou seja, uma conexão entre “segredo das comunicações” e “liberdade de comunicação”. V – A autodeterminação comunicativa é protegida no artigo 34.º da Constituição através da inviolabilida- de das comunicações, tendo um sentido mais vasto que o sigilo de comunicações, e podendo assumir um duplo relevo: como uma garantia de sentido negativo, de inviolabilidade, que protege o indivíduo de ingerências do Estado ou de terceiros, podendo ainda reclamar um correspondente dever a ações positivas por parte do Estado. VI – Quanto à primeira questão colocada no presente recurso, face à proibição de ingerência das auto- ridades públicas nas comunicações – que consiste em saber se o acesso aos dados de tráfego deve considerar-se uma ingerência nas telecomunicações para os efeitos previstos na norma constitucional –, entende-se que a área de proteção do sigilo das comunicações consagrada no n.º 4 do artigo 34.º da Constituição compreende tanto o conteúdo da comunicação como os dados de tráfego atinentes ao processo de comunicação. VII – Quanto à segunda questão colocada no presente recurso – que consiste em saber se se pode considerar que a autorização prévia e obrigatória da Comissão de Controlo Prévio equivale ao controlo existente no processo criminal – o artigo 34.º da Constituição exprime, em relação às autoridades públicas, duas normas contrapostas no seu sentido deôntico: uma norma proibitiva de toda a ingerência na correspondência, telecomunicações e demais meios de comunicação, e uma norma permissiva da ingerência nos casos previstos na lei em matéria de processo penal, havendo entre as duas normas uma relação de excecionalidade. VIII– O sacrifício do direito à inviolabilidade das comunicações privadas a razões imperiosas de investiga- ção criminal consubstancia uma restrição ao conteúdo constitucional daquele direito fundamental; ao definir o campo de incidência da lei restritiva do direito à inviolabilidade das comunicações pela “matéria de processo criminal” a Constituição ponderou e tomou posição (em parte) sobre o conflito entre os bens jurídicos protegidos por aquele direito fundamental e os valores comunitários a cuja realização se dirige o processo penal, nada autorizando a admitir uma eventual extensão do âmbito da ressalva final do n.º 4 do artigo 34.º
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