TRIBUNAL CONSTITUCIONAL Acórdãos 93.º Volume \ 2015
454 TRIBUNAL CONSTITUCIONAL arguido acredita no bem fundado da sua pretensão, coisa que nenhuma das três entidades que analisou os autos conseguiu enxergar, ou então aquele encontra-se disposto a arriscar tudo, pois no fundo nada perde. Dentro deste cenário, cremos que não se justifica que o arguido, que ainda assim, pretenda ver a sua impugna- ção judicial decidida em audiência de julgamento, se encontre respaldado pelo princípio da proibição de reformatio in pejus .». Esta regra da proibição de reformatio in pejus consagrada no Regime Geral das Contraordenações é, no entanto, afastada relativamente aos processos contraordenacionais previstos no Código dos Valores Mobiliários, pelo artigo 416.º, n.º 8, cuja constitucionalidade é sindicada nestes autos, e que dispõe que «[n]ão é aplicável aos processos de contraordenação instaurados e decididos nos termos deste Código a proibição de reformatio in pejus , devendo essa informação constar de todas as decisões finais que admitam impugnação ou recurso». Esta norma foi introduzida no Código dos Valores Mobiliários pelo Decreto-Lei n.º 52/2006, de 15 de março, que procedeu à transposição da Diretiva n.º 2003/6/CE, do Parlamento Europeu e do Conselho, de 28 de janeiro, relativa ao abuso de informação privilegiada e à manipulação de mercado, tendo o aludido Decreto-Lei sido precedido de autorização legislativa através da Lei n.º 55/2005, de 18 de novembro. No preâmbulo do Decreto-Lei n.º 52/2006, de 15 de março, o legislador refere que «a eliminação da proibição de reformatio in pejus nos processos de contraordenação, como já acontece noutras áreas do sistema financeiro» tem em vista garantir «a necessária autonomia entre a fase administrativa e a fase judicial do pro- cedimento contraordenacional, bem como a congruência e a uniformidade de soluções do regime do ilícito de mera ordenação social vigente no setor financeiro». Esta mesma solução tem sido adotada em outras situações em que se estabelecem regimes específicos de contraordenações aplicáveis em determinadas áreas sectoriais. É o caso, no âmbito do setor financeiro, do artigo 230.º, n.º 3, do Regime Geral das Instituições de Crédito e Sociedades Financeiras, aprovado pelo Decreto-Lei n.º 298/92, de 31 de dezembro, na redação introduzida Decreto-Lei n.º 157/2014, de 24 de outubro. É o que acontece também em matéria de concorrência, em que o artigo 88.º, n.º 1, da Lei n.º 19/2012, de 8 de maio (Lei da Concorrência), dispõe que «[o] Tribunal da Concorrência, Regulação e Supervisão conhece com plena jurisdição dos recursos interpostos das decisões em que tenha sido fixada pela Autoridade da Concorrência uma coima ou uma sanção pecuniária compulsória, podendo reduzir ou aumentar a coima ou a sanção pecuniária compulsória». É também o regime previsto em matéria de con- traordenações ambientais, estabelecendo-se no artigo 75.º da Lei n.º 50/2006, de 29 de agosto (Lei-quadro das Contraordenações Ambientais), a inaplicabilidade da proibição de reformatio in pejus , em termos seme- lhantes ao que acontece com o n.º 8 do artigo 416.º do Código de Valores Mobiliários. Tecidas estas considerações, importa agora apreciar da conformidade constitucional da norma sindicada. 1. Da violação do direito de defesa do arguido e do direito ao recurso Segundo alega a recorrente, a norma do artigo 416.º, n.º 8, do Código de Valores Mobiliários, inter- pretada no sentido de ser possível o agravamento de coima em sede de recurso de impugnação judicial inter- posto pelo arguido em sua defesa, sem que tenha havido alteração e/ou agravamento dos factos, elementos ou circunstâncias da decisão administrativa condenatória, é inconstitucional, violando o direito à defesa, na modalidade de direito ao recurso, uma vez que desincentiva o arguido a recorrer e apela a que se conforme com a decisão administrativa condenatória, sem que tal possa justificar-se com a salvaguarda de outros direi- tos constitucionalmente protegidos. Considerou ainda a recorrente que tal interpretação atenta contra o disposto no artigo 32.º, n.º 10, da Constituição, na medida em que desincentiva claramente o livre exercício do direito de defesa. Embora o Tribunal Constitucional nunca tenha sido confrontado com questão idêntica à que está em causa nos presentes autos, já foi chamado a pronunciar-se, por diversas vezes, sobre interpretações normati- vas do artigo 409.º do Código de Processo Penal, em que estava em causa a proibição da reformatio in pejus , sendo importante recordar tal jurisprudência.
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