TRIBUNAL CONSTITUCIONAL Acórdãos 93.º Volume \ 2015

449 acórdão n.º 373/15 sindicado pelos interessados, entretanto, condicionados no exercício do seu direito de recurso pelo receio de verem a sua situação agravada, ainda que nada se altere (incluindo a respetiva situação financeira). XXXI. Dito isto, resulta claro que a admissibilidade de reformatio in pejus em sede de recurso de impugnação judi- cial, ao abrigo da norma vertida no n.º 8 do artigo 416.º do CdVM, jamais pode configurar-se como uma possibilidade de agravamento da coima pela instância judicial de recurso sob toda e qualquer circunstância, ou seja, ainda que nada mais se altere. Tal configura um desincentivo poderosíssimo ao apelo às instâncias de recurso e, em conformidade com o acima exposto, uma restrição desproporcionada ao exercício pelo arguido dos seus direitos de defesa. XXXII.Na prática, tal interpretação normativa impede a livre decisão do arguido no que tange ao exercício do seu direito ao recurso, constitucionalmente consagrado. O exercício do direito ao recurso fica, assim, despro- porcionadamente restrito – já que tal restrição não encontra justificação na salvaguarda de outros direitos constitucionalmente protegidos (em termos adequados e proporcionais). XXXIII. Sob pena de violação do direito de tutela jurisdicional efetiva ( maxime , do direito de defesa), é inadmissível o entendimento de que a instância de recurso pode limitar-se a, mantendo todo o demais, agravar a medida da coima, sob pena de daqui resultar uma clara e imediata perversão da garantia de defesa: ou seja, do exercício do direito de defesa resultar um gravame injustificado para a defesa. XXXIV. Assim, apenas será de entender ser conforme com os preceitos constitucionais a interpretação do n.º 8 do artigo 416.º do CdVM segundo a qual a reformatio in pejus é admissível sempre e quando em sede de recurso de impugnação judicial venham ao conhecimento do tribunal factos e circunstâncias agravantes. Só assim não poderá o arguido ser efetivamente surpreendido com o agravamento da coima. XXXV. O arguido apenas pode não resultar ou pode não temer ser surpreendido com o aumento da medida da coima no caso de se verificar alguma alteração fáctico-jurídica em sede desse processo de reapreciação que o justifi- que e na medida em que o justifique. XXXVI. Apenas este entendimento ou interpretação se afigura compatível com as garantias constitucionais do arguido em sede de processo de contraordenação e com a salvaguarda dos princípios constitucionais estruturantes do Estado de direito democrático. XXXVII. Consequentemente deve ser declarada inconstitucional a interpretação normativa do estatuído no n.º 8 do artigo 416.º do CdVM, segundo a qual o Tribunal de recurso pode agravar o montante da sanção aplicada pela decisão administrativa ainda que nada se tenha alterado, incluindo a situação financeira do arguido, por tal configurar uma restrição desproporcionada do exercício pelo arguido do direito de defesa (artigo 32.º, n.º 10 da CRP), na modalidade de direito de recurso de impugnação judicial das decisões condenatórias das autoridades administrativas (artigo 268.º, n.º 4 da CRP), constitucionalmente tutelados, violando o disposto no n.º 2 do artigo 18.º da CRP (…)». O Ministério Público apresentou contra-alegações, tendo concluído pela não inconstitucionalidade da norma constante do artigo 416.º, n.º 8, do Código de Valores Mobiliários, sustentando que deverá ser negado provimento ao recurso de constitucionalidade e, em consequência, mantido o acórdão recorrido. A entidade recorrida apresentou contra-alegações, tendo concluído da seguinte forma: «1.ª A autonomia dogmática (substantiva e processual) do ilícito de mera ordenação social relativamente ao ilícito (e processo) penal – sem prejuízo de princípios gerais comuns de direito sancionatório público – impõe ao intérprete limites à transposição (acrítica e automática) de princípios e institutos processuais penais para o processo de contraordenação. Em concreto, a aplicação do regime da reformatio in pejus no processo de contraordenação deve ser avaliado à luz da natureza jurídica da impugnação judicial no processo de contraordenação. Da natureza e fundamento da proibição de reformatio in pejus em processo penal 2.ª A Constituição não consagra (expressa ou implicitamente) uma proibição absoluta da reformatio in pejus em processo penal (como esclarece o Acórdão do Tribunal Constitucional n.º 499/97).

RkJQdWJsaXNoZXIy Mzk2NjU=