TRIBUNAL CONSTITUCIONAL Acórdãos 93.º Volume \ 2015
448 TRIBUNAL CONSTITUCIONAL XX. Mais, caso o arguido não recorra, a decisão administrativa condenatória transita, tornando-se definitiva e exe- quível (a par do que sucede com uma sentença da qual não se interponha ou já não seja admissível recurso), sendo de reconhecer-lhe um certo grau de determinação, patamar de segurança e estabilidade. XXI. Assim, considerando que o tribunal de recurso não está limitado aos factos da acusação e pode promover todas as diligências de prova que repute ao caso adequadas, nada mais se provando em sede de recurso de impugnação judicial da decisão administrativa sancionatória, os poderes de cognição do tribunal não poderão ir além dos termos da decisão administrativa condenatória, não lhe sendo permitido ampliar a coima sob pena de o arguido ser verdadeiramente surpreendido com um agravamento da sanção sem que nada mais se altere, incluindo a sua situação financeira. XXII. Acresce que, a interpretação normativa do artigo 416.º, n.º 8 do CdVM feita pelas instâncias judiciais de recurso cria, por si só, uma restrição prática / material ao exercício do direito de defesa pelo arguido, apta a traduzir-se numa supressão tendencial do recurso. Reconduzindo a situações em que o arguido é facilmente surpreendido com o agravamento da medida da coima, podendo atingir os largos milhões de euros e, por isso, tal interpretação normativa provoca um enorme e poderoso desincentivo, criando para o arguido sérios moti- vos para temer que o recurso que interpõe em seu favor acabe por revelar-se num impensável/imponderável desfavor, ainda que nada se altere. XXIII. É evidente que, tudo o que o arguido não quer é ver a sua situação agravada ao recorrer. Com tal interpretação normativa do artigo 416.º, n.º 8 do CdVM, o arguido sente-se impelido a conformar-se com a decisão admi- nistrativa condenatória, encarando-a como um mal necessário perante o receio do mal maior de imposição de sacrifício patrimonial superior, unicamente dependente da avaliação subjetiva pelo tribunal de recurso das circunstâncias e elementos que existiam já na data da prolação da decisão condenatória pela autoridade administrativa competente. XXIV. Para que melhor se entenda, importa não olvidar que vigora aqui o princípio do caráter restritivo das restri- ções legais aos direitos, liberdades e garantias constitucionalmente consagrados. XXV. O juízo de constitucionalidade de determinada interpretação normativa de norma que restrinja direitos, liberdades e garantias afere-se à luz do princípio da proporcionalidade. XXVI. A interpretação normativa do artigo 416.º, n.º 8 do CdVM sufragada no Acórdão recorrido comporta em si mesma uma restrição desproporcionada ou desincentivo ao livre exercício do direito de impugnar um ato administrativo de natureza e conteúdo sancionatório e inviabiliza a concretização prática da tutela jurisdi- cional efetiva, o que é absolutamente desproporcionado em face das finalidades de celeridade processual e de evitar a pendência de recursos meramente dilatórios, violando o disposto no n.º 2 do artigo 18.º da CRP. XXVII.Ademais, a estrutura do processo de contraordenação tem o seu núcleo essencial na atribuição de poder san- cionatório à autoridade administrativa, sendo que a constitucionalidade desta solução depende da possibili- dade de controlo jurisdicional materializado no direito de recorrer judicialmente das decisões administrativas condenatórias, impugnando-as. XXVIII. Mais, perante uma entidade dotada de poderes públicos e sancionatórios próprios, que leva a cabo todo o processo e decide a condenação e a sua medida, é absolutamente fulcral que o arguido, perante uma decisão administrativa, tenha a oportunidade de exercer o seu direito (livremente e na sua plenitude), por forma a obter um controlo por parte de uma entidade que irá fazer um controlo judicial e, inerentemente, mais isen- to, independente e garantístico. XXIX. Postas assim as coisas, não declarar a inconstitucionalidade da interpretação normativa do artigo 416.º, n.º 8 do CdVM sufragada pela Decisão recorrida – que constitui um claro e compreensivo desincentivo ao apelo às instâncias de recurso –, estar-se-á, a caminho da supressão tendencial dos recursos das decisões adminis- trativas sancionatórias em sede de direito de valores mobiliários, violando o princípio da tutela jurisdicional efetiva e o direito de defesa do arguido. XXX. Em simultâneo, não declarar inconstitucional tal interpretação normativa do n.º 8 do artigo 416.º do CdVM é pôr em crise a constitucionalidade da atribuição de poderes sancionatórios à CMVM que, tendencialmente, instaurará, instruirá e decidirá processos de contraordenação, aplicando coimas, sem que tal seja, na prática,
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