TRIBUNAL CONSTITUCIONAL Acórdãos 93.º Volume \ 2015

445 acórdão n.º 373/15 de que foi alvo. De facto, do ponto vista prático, o que o arguido não quer é correr o risco de ficar numa situação ainda pior do que se encontra (ainda que nada de novo seja carreado para os autos ou nada de novo seja provado, em termos de modificar a situação fáctica e jurídica). A este respeito, não se olvida que podem existir restrições ou compressões dos direitos fundamentais do arguido. Porém, aquela que se acaba de apontar é manifestamente injustificada, desproporcional e inconstitucional. Em bom rigor, a admissibilidade da reformatio in pejus em sede de recurso de impugnação judicial, ao abrigo da norma vertida no n.º 8 do artigo 416.º do CdVM, tem de conformar-se com os comandos da Lei Fundamental, jamais podendo configurar-se como uma possibilidade de agravamento da coima num cenário de manutenção de todos os factos e fundamentos da decisão administrativa condenatória que presidiram à aplicação de uma coima concreta pela autoridade administrativa competente. Tendo-se em consideração que o (i) tribunal de recurso não está limitado aos factos da acusação (ou seja, da decisão administrativa condenatória convolada em acusação) e pode promover todas as diligências de prova que repute ao caso adequadas, (ii) que o recurso de impugnação judicial constitui unicamente um meio de defesa do arguido (o único legitimado, a par do seu defensor, para o impulsionar) e (iii) que o tribunal de recurso não goza de qualquer poder inquisitório suplementar, o n.º 8 do artigo 416.º do CdVM só é conforme com as garantias constitucionais de defesa perante uma alteração fáctica ou jurídica que justifiquem um agravamento da medida da coima em termos proporcionais. Sob pena de violação do direito de tutela jurisdicional efetiva ( maxime , do direito de defesa), é inadmissível o entendimento de que a instância de recurso pode limitar-se a, mantendo todo o demais, agravar a medida da coima, sob pena de daqui resultar uma clara e imediata perversão da garantia de defesa: ou seja, do exercício do direito de defesa resultar um gravame injustificado para a defesa. Por outro lado, deve ainda referir-se que a estrutura do processo de contraordenação tem o seu núcleo essencial na atribuição de poder sancionatório à autoridade administrativa que profere em nome próprio uma verdadeira e própria decisão condenatória, vinculativa para o arguido, que se torna definitiva e exequível se não for impugnada. A constitucionalidade desta solução depende da possibilidade de controlo jurisdicional materializado no direito de recurso judicial de impugnação pelo arguido. Assim sendo, admitir-se uma interpretação do artigo 416.º, n.º 8 do CdVM semelhante à que fez a primeira instância e a Decisão de que se recorre, não só configura uma restrição inadmissível do exercício do direito ao recurso pelo arguido, como (e na medida em que desincentiva o único legitimado a recorrer aos tribunais para con- trolo da decisão administrativa sancionatória) faz claro apelo a situações de total ausência de controle jurisdicional das decisões administrativas. Tal entendimento, uma vez mais, põe em crise o direito de tutela jurisdicional efetiva, restringindo o livre exercício do direito de defesa pelo arguido. Em jeito de conclusão, a norma vertida no artigo 416.º, n.º 8 do CdVM interpretada no sentido de agrava- mento de coima em sede de recurso de impugnação judicial interposto pelo arguido em sua defesa, sem correspon- dente alteração e / ou agravamento dos factos, elementos e circunstâncias da decisão administrativa condenatória é inconstitucional, violando o direito à defesa, na modalidade de direito ao recurso, já que desincentiva o arguido a recorrer e apela a que se conforme com a decisão administrativa condenatória, sem que tal possa justificar-se com a salvaguarda de outros direitos constitucionalmente protegidos (em termos adequados e proporcionais). Tal interpretação viola o disposto no artigo 32.º, n.º 10 da CRP, sendo passível de violar e pôr em crise a efe- tivação do direito de tutela jurisdicional efetiva, na medida em que desincentiva claramente o livre exercício do direito de defesa. Apenas será de entender ser conforme com os preceitos constitucionais – não obstante todas as dúvidas que desde o Anteprojeto do CdVM têm sido levantadas e, diga-se, muito justificadas no âmbito de um ramo em que as coimas podem chegar aos milhões de euros – a interpretação do n.º 8 do artigo 416.º do CdVM segundo a qual a reformatio in pejus é admissível sempre e quando em sede de recurso de impugnação judicial venham ao conheci- mento do tribunal factos e circunstâncias agravantes. Só assim não poderá o arguido ser efetivamente surpreendido com o agravamento da coima.

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