TRIBUNAL CONSTITUCIONAL Acórdãos 93.º Volume \ 2015
444 TRIBUNAL CONSTITUCIONAL do CdVM seja interpretado no sentido e com o alcance que lhe foi conferido pela Decisão recorrida, ao estatuir que são assegurados ao arguido os direitos de audiência e defesa nos processos de contraordenação e em quaisquer outros processos de natureza sancionatória. O referido preceito constitucional é claro ao estabelecer o livre exercício do direito de defesa pelo arguido, incluindo na modalidade de recurso de impugnação judicial. Estando o direito ao recurso constitucionalmente consagrado e sem o que fica claramente vazio de conteúdo o direito de tutela jurisdicional efetiva, ele apenas pode ser restringido no necessário para salvaguarda de outros direi- tos ou interesses constitucionalmente protegidos, em conformidade com o disposto no n.º 2 do artigo 18.º da CRP. Ora, resulta claramente condicionado o livre exercício do direito de defesa pelo arguido em sede de processo de contraordenação, na modalidade de impugnação judicial da decisão administrativa condenatória, sempre que a: norma vertida no n.º 8 do artigo 416.º do CdVM seja interpretada no sentido de a coima concretamente aplicada pela autoridade administrativa poder ser ampliada pelo tribunal em todo e qualquer caso. Designadamente, condiciona o arguido no livre exercício do direito de defesa a interpretação daquela norma do CdVM no sentido de ser admissível o agravamento da coima, ainda que tudo o resto (fáctico e jurídico) perma- neça inalterado no decurso e em resultado da tramitação do processo de impugnação judicial. A norma do n.º 8 do artigo 416.º do CdVM, que admite a reformatio in pejus em sede de recurso judicial de impugnação da decisão administrativa condenatória tem de ser interpretada em termos consentâneos com as garantias constitucionalmente consagradas ao arguido em sede de processo de contraordenação, jamais podendo configurar-se como uma restrição injustificada ao exercício do direito de defesa. A esta luz, a norma do n.º 8 do artigo 416.º do CdVM, tem forçosamente de ser entendida como uma pos- sibilidade de agravamento em sede de recurso da sanção concretamente aplicada apenas se e quando se verifique uma alteração, de facto (nomeadamente, no que diz respeito à situação financeira do arguido) ou de direito, que o justifique e na medida em possa justificá-lo (no decurso ou em virtude do processo de recurso). Dito por outras palavras, nada mais se provando em sede de recurso judicial da decisão administrativa conde- natória, os poderes de cognição do tribunal terão de ficar limitados aos termos da própria decisão administrativa impugnada, não lhe sendo permitido ampliar o montante da coima sob pena de o arguido ser verdadeiramente surpreendido com um agravamento da sanção sem que nada mais se altere. Recorde-se que, em sede de processo de contraordenação, o recurso de impugnação judicial da decisão admi- nistrativa condenatória assume pendor marcadamente garantístico, configurando-se unicamente como um meio de defesa do arguido já que ele é o único legitimado (a par do seu defensor) para recorrer judicialmente daquela decisão (condenatória). Aliás, como é evidente, apenas o recurso jurisdicional assegura que o arguido tem direito a uma tutela juris- dicional efetiva, no sentido que conseguirá obter uma decisão isenta, imparcial e judicial, que sindique a decisão administrativa (proferida por uma entidade necessariamente parcial, na medida em que ela própria investiga e elabora a “acusação”). Caso o arguido não interponha recurso, a decisão administrativa condenatória transita, tornando-se definitiva e exequível (a par do que sucede com uma sentença da qual não se interponha ou não seja já admissível recurso), sendo de reconhecer-lhe um certo grau de determinação, patamar de segurança e estabilidade. É evidente que, ainda que o arguido possa considerar injusta e desadequada a condenação de que foi alvo por parte da autoridade administrativa (munida de poderes sancionatórios próprios para prossecução dos fins que lhes estão atribuídos por lei), a mera possibilidade de ver a coima agravada quando tudo o demais se mantém, nada mais é do que um apelo à conformação e inércia do arguido que passa, naturalmente, a encarar o facto de se conformar com a decisão administrativa condenatória como um mal necessário perante o receio do mal maior de imposição de sacrifício patrimonial superior pelo agravamento da coima. Dito de outra forma: bule com a Constituição uma interpretação do n.º 8 do artigo 416.º do CdVM que con- duza à criação de um obstáculo prático, não expressamente previsto ou desejado pelo Legislador, ao direito à tutela jurisdicional efetiva e ao recurso. Como é bom de ver, se tudo mantém igual, e o arguido (ainda assim) puder ficar numa pior situação do que estava, certamente que optará por não recorrer, mesmo que esteja seguro da injustiça
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