TRIBUNAL CONSTITUCIONAL Acórdãos 93.º Volume \ 2015

43 acórdão n.º 377/15 possível assegurar o respeito pela “exigência de dignidade punitiva prévia das condutas enquanto expressão de uma elevada gravidade ética e merecimento de culpa (artigo 1.º da Constituição, do qual decorre a proteção da essencial dignidade da pessoa humana) que se exprime no princípio constitucional da necessidade das penas (e não só da subsidiariedade do direito penal e da máxima restrição das penas que pressupõem apenas, em sentido estrito, a ineficácia de outro meio jurídico)”(Acórdão n.º 211/95). Seguramente, pelo menos ao nível do critério da carência de tutela penal, as normas que se pretendem introduzir não obedecem às exigên- cias jurídico-constitucionais decorrentes do artigo 18.º, n.º 2, da Constituição. O especial estatuto jurídico-constitucional dos titulares de cargos políticos e a consagração no ordena- mento jurídico de um dever de revelação da riqueza por parte dos titulares de cargos políticos e altos cargos públicos, nos termos da Lei n.º 4/83, de 2 de abril, não constitui obstáculo a este entendimento. É certo que confere sentido mais evidente a um dos elementos do tipo – os bens e rendimentos sujeitos a declaração para fins extrafiscais – e, do mesmo jeito, aproxima o quadro de tutela de valores e interesses como a transpa- rência, a probidade e a idoneidade sobre a proveniência das fontes de rendimento e património, enunciados pelo legislador, na perspetiva da especial posição de poder que caracteriza os agentes a que pode ter aplicação o artigo 27.º-A. Contudo, para além de à violação do dever de transparência e verdade ínsito na relação de comunica- ção para com a comunidade contida no referido diploma já se encontrar associada censura jurídico-penal, através do crime de falsas declarações, nos termos n.º 2 do artigo 3.º da mesma Lei, e também de tal dever não ser exclusivo dos agentes que, para efeitos da Lei n.º 34/87, de 16 de julho, são considerados titulares de cargos políticos e altos cargos públicos – ainda que o elenco dos artigos 3.º e 3.º-A da Lei n.º 34/87, de 16 de julho, e artigos 4.º da Lei n.º 4/83, de 2 de abril, seja largamente coincidente –, persiste a consideração de que o tipo de enriquecimento injustificado não surge estruturado como delito de falsidade. O desvalor jurídico-penal não decorre da inverdade ou ocultação de bens e rendimentos no ato declarativo produzido em cumprimento das injunções que decorrem da Lei n.º 4/83, de 2 de abril, pois, mesmo que infringidas, não assumem relevo autónomo para o efeito da incriminação como enriquecimento ilegítimo. Permanece a exigência de uma variação patrimonial, cuja medida nem mesmo é encontrada a partir do que foi efetiva- mente declarado, mas sim do que deva ser declarado. É, pois o acréscimo patrimonial sem origem conhecida que emerge em si mesmo como desvalioso – e não a divergência entre o declarado e a realidade ou mesmo a omissão de declaração –, sem que se logre identificar um dever jurídico – e o correspondente défice pessoal a sancionar – que o legitime. Aliás, no que concerne ao património adquirido, possuído ou detido nos três anos seguintes à cessação de funções – idóneo, nos termos do n.º 1 do artigo 27.º-A, a conduzir a um apura- mento de incompatibilidade –, nem mesmo persiste qualquer obrigação declarativa fundada na Lei n.º 4/83, de 2 de abril: a declaração final deve ser apresentada no prazo de 60 dias a contar da cessação de funções (cfr. artigo 2.º, n. os 1 e 4). – Fernando Vaz Ventura. DECLARAÇÃO DE VOTO Com base nas considerações já expendidas na declaração de voto aposta ao Acórdão n.º 179/12, que se pronunciou sobre o Decreto da Assembleia da República que pretendia instituir o crime de enriquecimento ilícito, e que entendo serem ainda aplicáveis no presente caso, acompanho o juízo de inconstitucionalidade mas apenas no que se refere à violação do princípio da presunção de inocência do arguido. A eliminação, nas normas dos artigos 335.º-A do Código Penal e 27.º-A da Lei n.º 34/87, de 16 de julho, aditadas pelo Decreto da Assembleia da República n.º 369/XII, do inciso “sem origem lícita determi- nada”, que constava do anterior diploma e representava a formulação negativa de um elemento constitutivo do tipo legal, não evita a presunção do resultado ilícito em que se traduz a divergência entre o património e os rendimentos declarados. Nesse sentido, o arguido terá sempre de tomar a iniciativa de alegação e prova em relação aos factos que revelem a discrepância, em vista a determinar a origem lícita do património ou, ao

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