TRIBUNAL CONSTITUCIONAL Acórdãos 93.º Volume \ 2015

426 TRIBUNAL CONSTITUCIONAL De resto, mesmo a solução do direito da União Europeia relativamente à responsabilidade dos Estados membros por erro judiciário – “uma responsabilidade excecional reservada para situações especialmente graves” [assim, vide Jónatas Machado, A responsabilidade dos Estados Membros da União Europeia (…) , cit. , p. 259] –, e em que uma desautorização daquele tipo acaba por ser possível, não é isenta de problemas. Aliás, Jónatas Machado – que chega a falar em disfunções sistémicas – evidencia-o bem, a propósito dos temas da “disfunção hierárquica e defeito de independência”, da “imparcialidade e juízo em causa própria” e do “controlo das decisões dos tribunais superiores” [vide Autor cit., A responsabilidade dos Estados Membros da União Europeia (…) cit. , respetivamente, pp. 284-285, 285-286 e 286-288]. Sucede, isso sim, que, conforme o mesmo Autor explica, “as apontadas dificuldades e anomalias são amplamente compensadas pela necessi- dade de assegurar a primazia e a efetividade do direito da UE e da jurisprudência do TJUE, juntamente com a tutela jurisdicional efetiva dos particulares diante das decisões dos tribunais nacionais de última instância que violem direitos e interesses legalmente protegidos pelo direito da UE” (vide ibidem , p. 288; cfr. também o acórdão Köbler, n. os 33 a 36). Com efeito, no quadro do direito da União Europeia, e face à impossibilidade de os cidadãos deman- darem diretamente os Estados membros junto do Tribunal de Justiça por incumprimento daquele direito ou de forçarem o reenvio prejudicial em vista da sua correta interpretação e aplicação (cfr., respetivamente, os artigos 258.º e 259.º e o artigo 267.º, todos do Tratado sobre o Funcionamento da União Europeia), a tutela secundária correspondente à responsabilidade do Estado membro fundada em erro judiciário relativo ao direito da União Europeia constitui um importante fator de tutela jurisdicional dos direitos dos cidadãos conferidos por esse mesmo direito e de garantia da respetiva primazia face ao direito de cada um dos Estados membros. Comprova-se, assim, a existência de mais-valias sistémicas justificativas da solução do direito da União Europeia. 13. Analisando agora a solução prevista no artigo 13.º, n.º 2, do RCEEP, importa começar por recordar o amplo espaço de conformação legislativa quanto à definição do âmbito e dos pressupostos da responsabi- lidade do Estado reconhecido pelo artigo 22.º da Constituição (cfr. supra o n.º 8). Em especial, no que se refere à responsabilidade do Estado por erro judiciário, esta interfere, pelas razões já mencionadas, com a própria configuração e modo de funcionamento do sistema judiciário, tal como prefigurados na Constitui- ção (cfr. supra os n. os 9, 10 e 12), ampliando desse modo ainda mais o campo de intervenção do legislador ordinário. Assim, para além da previsão genérica do direito à reparação pelos ilícitos cometidos pelos titulares dos órgãos do estado e demais entidades públicas, que, justamente por ser geral, também deve abranger os juízes e os ilícitos que estes eventualmente cometam no exercício das respetivas funções, não é possível a par- tir do citado preceito constitucional determinar com mais exatidão os contornos do direito à indemnização fundada em erro judiciário. Certo é que a mencionada solução legal não exclui em absoluto tal direito, limitando-se a estabelecer que o erro judiciário relevante seja previamente reconhecido pela jurisdição competente, o mesmo é dizer, que o reexercício da função jurisdicional coenvolvido na reapreciação da decisão judicial danosa se faça com respeito pelas competências e hierarquia próprias do sistema judiciário e de acordo com o seu específico modo de funcionamento: o reconhecimento do erro judiciário implica uma revogação da decisão danosa pelo órgão jurisdicional competente no quadro de um recurso ou de uma reclamação (ou, porventura, de uma revisão oficiosa). Ao fazê-lo, o artigo 13.º, n.º 2, do RCEEP não está a interferir com qualquer âmbito de proteção constitucionalmente pré-definido (muito menos a invadi-lo). E, por isso mesmo, também não se pode dizer que essa norma revista a natureza de uma lei harmonizadora destinada a resolver um qualquer conflito de bens jurídicos fundamentais ou de uma lei restritiva de um direito fundamental (sobre estas cate- gorias e as consequências jurídicas que a elas vão associadas na dogmática dos direitos fundamentais, vide, por todos, Vieira de Andrade, Os Direitos Fundamentais na Constituição Portuguesa de 1976, cit. , pp. 216- 217 e, quanto às leis restritivas, pp. 277 e segs., e quanto às leis harmonizadoras, pp. 298 e segs.).

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