TRIBUNAL CONSTITUCIONAL Acórdãos 93.º Volume \ 2015

425 acórdão n.º 363/15 incidental, uma vez que o objeto do processo se organiza em torno de um pedido de indemnização. O juiz do processo indemnizatório não vai rever a sentença para a confirmar ou revogar, mas apreciá-la sob uma perspetiva específica – a sua relevância como fonte de um dever de indemnizar – e com um objetivo específico – reconhecer o correspondente direito indemnizatório. A sentença anteriormente proferida não surge neste processo como um ato decisório, mas como mero facto, ao qual a ordem jurídica pode associar determinados efeitos jurídico-mate- riais. E a questão de saber se um desses efeitos jurídico-materiais se constituiu ou não é precisamente o objeto da apreciação deste juiz: por outras palavras, o que está em causa neste segundo processo é um determinado efeito jurídico-material decorrente da sentença, e não a sentença como ato decisório com certo conteúdo e com certos efeitos, maxime o caso julgado, conteúdo e efeitos que permanecem incólumes. Portanto, na medida em que o legislador reconheça o direito à indemnização por erro judiciário […], está a habilitar o juiz do correspondente processo a realizar uma apreciação da sentença.» (vide Luís Fábrica, ibidem , pp. 347-348) É precisamente esta possibilidade de transferência normativa da autoridade de «dizer o que diz a lei», mesmo fora do âmbito dos recursos, que permite explicar dogmaticamente a solução encontrada ao nível do direito da União Europeia quanto à responsabilidade dos Estados membros por erro judiciário. Todavia, esta linha de raciocínio implica igualmente o reconhecimento de que a apreciação de tal responsabilidade coenvolve uma reapreciação – ainda que meramente incidental – da sentença ou acórdão anterior: a questão de direito objeto de uma primeira apreciação judicial vai ser novamente apreciada por um juiz. E ainda que a primeira apreciação possa processualmente relevar apenas como um facto, a verdade é que substancialmente – em termos de operações cognitivas e valorativas – o acerto de tal apreciação é (também) sujeito a um (novo) exame judicial. Que isto seja possível sem entorses dogmáticas é uma coisa; outra, diferente, é saber se tal é constitucio- nalmente exigido. E a questão coloca-se precisamente porque, em termos de racionalidade sistémica e de coerência institu- cional não é irrelevante que uma decisão judicial transitada em julgado volte a ser apreciada por um tribunal e, muito menos, que a apreciação de uma questão jurídica feita por um tribunal inferior possa prevalecer sobre a apreciação de idêntica questão feita por um tribunal superior. Nesse plano institucional em que se considera o sistema judiciário como um todo orgânico, contrariamente ao que se deve fazer no plano pro- cessual, a dissociação entre o ato judicante – a decisão – e os seus efeitos – o respetivo conteúdo –, embora possível, não é necessária e, frequentemente, não será conveniente. Isto é: pode haver razões de peso que justifiquem a modelação do direito à indemnização sempre que este interfira com a lógica de organização e funcionamento do próprio sistema judiciário. E são tais razões que também podem justificar a solução do artigo 13.º, n.º 2, do RCEEP quando cotejada com os parâmetros constitucionais da igualdade ou da tutela jurisdicional efetiva. A segurança jurídica, associada às decisões judiciais transitadas em julgado, e a autoridade das decisões dos tribunais superiores, inerente à estrutura hierarquizada do sistema judiciário – em que, por regra, as decisões mais importantes e mais bem fundamentadas são tomadas por tribunais onde têm assento os juízes mais qualificados (cfr. por exemplo, os artigos 211.º e segs. da Constituição) – constituem bens constitu- cionais reconhecidos. Por outro lado, é ainda uma lógica sistémica que explica que o recurso jurisdicional não seja nem universal nem ilimitado, ou que os tribunais se organizem de acordo com certos critérios de especialização. Ora, são precisamente estas considerações que estão na base da ideia de que permitir que um ato judicial «consolidado» – porque não impugnável ou não impugnado tempestivamente – possa vir a ser ulteriormente «desautorizado», mesmo que para os efeitos limitados de reconhecimento de um erro judiciá- rio, por outro tribunal – porventura até de diferente espécie ou pertencente a uma ordem diversa de jurisdi- ção, ou inclusivamente da mesma espécie, mas de grau inferior – constitui um ilogismo institucional [cfr. o Acórdão n.º 90/84 e Cardoso da Costa, Sobre o novo regime da responsabilidade do Estado (…), cit., p. 164].

RkJQdWJsaXNoZXIy Mzk2NjU=