TRIBUNAL CONSTITUCIONAL Acórdãos 93.º Volume \ 2015

424 TRIBUNAL CONSTITUCIONAL ação de indemnização o juiz, ainda que em vista de um fim diferente, volta a ter de exercer a função de «dizer o direito» sobre uma questão relativamente à qual «o direito já foi dito», Luís Fábrica não retira de tal novo exercício da mesma função quaisquer consequências (vide ibidem , pp. 358-359). Contudo, na verificação do erro judiciário, diferentemente do que sucede em relação ao caso decidido administrativo, o juiz depara-se com o «direito do caso», tal como previamente decidido (declarado com a autoridade própria das decisões judiciais) por um outro juiz. Ou seja, ao reapreciar esta primeira decisão, o juiz da ação de responsabilidade exerce necessariamente sobre a mesma questão função idêntica à do juiz que decidiu em primeiro lugar – ocorre, por conseguinte, um reexercício da função jurisdicional; aliás, é preci- samente nesse reexercício que reside a semelhança entre as ações de indemnização por erro judiciário e os recursos reconhecida por aquele Autor. Daí o problema: porque é que a decisão do juiz da ação de responsa- bilidade dever prevalecer sobre a decisão do juiz da causa inicial? Sem resposta a esta questão, o entendimento firmado no Acórdão n.º 90/84 continua a ser suficiente para infirmar a citada analogia (cfr. supra o n.º 10). E, assim sendo, é na própria natureza da função jurisdicional e no modo como o respetivo exercício se encon- tra estruturado – o sistema de recursos e a hierarquia dos tribunais – que se pode encontrar justificação para a não arbitrariedade e para a justificação de uma limitação como a estatuída no n.º 2 do artigo 13.º do RCEEP. Como a jurisprudência do Tribunal de Justiça da União Europeia evidencia, de modo particular no acórdão Köbler , os problemas não se situam no plano técnico-processual do respeito do caso julgado (vide, em especial, o respetivo n.º 39: um processo destinado a responsabilizar o Estado não tem o mesmo objeto e não envolve necessariamente as mesmas partes que o processo que deu origem à decisão danosa e que entre- tanto transitou em julgado; o demandante numa ação de indemnização contra o Estado obtém, em caso de êxito, a condenação deste no ressarcimento do dano sofrido – tutela secundária –, mas não a revogação ou revisão da decisão que causou o dano – tutela primária) ou no plano institucional da independência e autoridade dos juízes (vide, em especial, os respetivos n. os 42 e 43: a responsabilidade civil do Estado por erro judiciário não é confundível com a responsabilidade pessoal do juiz que errou e a existência de uma via de direito que permita a reparação dos efeitos danosos de uma decisão judicial errada “pode também ser vista como sinónimo de qualidade de uma ordem jurídica e, portanto, finalmente, também da autoridade do poder judicial”). O que está em causa é a racionalidade sistémica e a coerência institucional: uma decisão judicial definitiva sobre uma dada questão, em princípio, e salvo razões juspositivas de especial relevo (como as que estão presentes nos recursos extraordinários de revisão), não deve poder ser desconsiderada por outra decisão judicial, uma vez que inexiste qualquer critério jurídico-positivo para fazer prevalecer a segunda sobre a primeira (nem tão-pouco uma eventual terceira ou quarta decisão sobre a decisão imediatamente anterior – é o problema da regressão infinita); menos ainda se poderá admitir, igualmente salvo razões juspositivas de especial relevo, que a decisão judicial definitiva sobre uma dada questão adotada por um tribunal superior possa vir a ser desconsiderada pela decisão de um tribunal hierarquicamente inferior. 12. Do ponto de vista orgânico-funcional, a questão suscitada pelo erro judiciário pode ser equacionada em termos de saber qual a instância judicial que se encontra normativamente habilitada a pronunciar-se sobre uma determinada causa e qual o âmbito da sua pronúncia. Constitucionalmente, compete ao juiz da causa a autoridade para «dizer o que a norma diz» [cfr. Cardoso da Costa, Sobre o novo regime da responsabi- lidade do Estado (…), cit., pp. 162-163; e Luís Fábrica, Comentário ao Regime da Responsabilidade Civil… , cit., nota 1.2 ao artigo 13.º, p. 347]. É ele – e só ele – quem tem legitimidade para o concreto ato judicante. Porém, esta habilitação normativa pode também ela ser transferida: «S]e o ato judicante inicial estiver sujeito a recurso ordinário, a autoridade para “dizer o que diz a lei” […] pode ser efetivamente transferida para o tribunal ad quem caso o recurso venha a ser interposto, prevalecendo então a apreciação feita por este. […] E a situação repete-se […] no caso da ação destinada a efetivar a responsabilidade por danos causados pela sen- tença. A (importante) particularidade reside aqui no facto de a sentença ser submetida a uma apreciação meramente

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