TRIBUNAL CONSTITUCIONAL Acórdãos 93.º Volume \ 2015
422 TRIBUNAL CONSTITUCIONAL Este entendimento assenta numa conceção da função jurisdicional em que o juiz é o mediador neces- sário do direito: «[‘D]izer o direito’ […] significa que é o juiz quem recebe e detém a legitimação (e a competência) para ‘deter- minar’ o conteúdo, sentido e alcance das normas jurídicas e para ‘fixar’ e ‘qualificar’ os factos a que as mesmas vão aplicar-se (sendo que, nem aquelas, nem estes, logram ‘falar por si’, e exigem justamente uma entidade mediadora para a sua ‘revelação’). Em suma, [… o juiz] não deixa de ser o necessário ‘verbo’ do direito, pertencendo-lhe dizer sobre ele a palavra definitiva. Ora, se é assim, então o ‘erro’ do juiz […] não será rigorosamente recondutível, enquanto puro ‘erro’, e só por si (isto é, quando não tenha ocorrido a consciente quebra ou incumprimento de nenhum dever deontológico, que sobre aquele impenda), a uma situação de ‘ilicitude’: quando simplesmente ‘erra’, o juiz não terá propriamente ‘violado’ o direito, mas antes feito dele uma interpretação e aplicação que, de um ponto de vista externo, serão incorretas.» (cfr. Cardoso da Costa, Sobre o novo regime da responsabilidade do Estado…, cit. , p. 162) E daí a defesa do disposto no artigo 13.º, n.º 2, do RCEEP: «[S]endo a função jurisdicional e as decisões em que ela se exprime o que são, então não há-de poder atribuir- se qualquer relevo a um alegado ‘erro’ judiciário sem que ele seja reconhecido como tal pela competente instância jurisdicional de revisão. Sem tal reconhecimento, o ‘erro’ (o puro ‘erro’) só o será do ponto de vista ou no plano da análise crítico-doutrinária da decisão, não num plano jurídico-normativo: neste outro plano, o que subsiste é a definição do direito do caso, emitida por quem detém justamente o múnus e a legitimidade para tanto. É, pois, desde logo e fundamentalmente, uma razão dogmático-institucional, ligada à própria natureza da função judicial, que impõe a condição estabelecida pelo n.º 2 do artigo 13.º – e exclui que a ocorrência e o eventual relevo do erro judiciário possam ser aferidos diretamente, e sem mais, em sede de responsabilidade e pelo tribunal competente para o apuramento desta.» (vide idem , ibidem , pp. 163-164) A doutrina sufragada por este Tribunal desde o mencionado Acórdão n.º 90/84 destaca, assim, e de acordo com este entendimento, o ilogismo institucional – “no fundo, a subversão do princípio da divisão dos poderes, enquanto também aplicável à organização da ordem judiciária” – que representaria uma solução que prescindisse de um requisito como aquele que vem estatuído no artigo 13.º, n.º 2, do RCEEP: uma decisão judicial transitada em julgado não deve poder vir a ser posteriormente «desautorizada» – isto é, em concreto afastada ou desconsiderada –, mesmo que só incidentalmente e para efeitos de verificação de erro de julga- mento relevante em sede de responsabilidade civil por «facto» da função jurisdicional, por outro tribunal “porventura até de diferente espécie ou pertencente a uma diversa ordem de jurisdição, ou inclusivamente da mesma espécie, mas de grau inferior” [cfr. Cardoso da Costa, Sobre o novo regime da responsabilidade do Estado (…), cit. , p. 164]. 11. Contudo, esta perspetiva não pode hoje ser aceite sem mais, isto é, sem uma explicação adicional. Que assim é comprova-o, desde logo, a incompatibilidade com o direito da União Europeia da solução consagrada no artigo 13.º, n.º 2, do RCEEP. Com efeito, na sequência dos desenvolvimentos do direito da União Europeia, em especial por força da jurisprudência Köbler (n. os 33 a 36) e Traghetti (n. os 33 a 40), é hoje consensual a admissibilidade da respon- sabilidade de um Estado membro da União em consequência da violação do direito da União imputável ao exercício da função jurisdicional, mesmo que tal violação resulte da decisão de um tribunal que decida em última instância. Consequentemente, o artigo 13.º, n.º 2, do RCEEP é inaplicável à responsabilidade do Estado Português por ações e omissões dos seus tribunais violadoras de normas do direito da União Euro- peia [nesse sentido, vide, por exemplo: Maria José Rangel de Mesquita, O Regime da Responsabilidade Civil Extracontratual do Estado…, cit., p. 56; e “Irresponsabilidade do Estado-juiz por incumprimento do Direito da União Europeia: um acórdão sem futuro” (anotação ao Ac. do STJ de 3.12.2009, P. 9180/07) in Cadernos
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