TRIBUNAL CONSTITUCIONAL Acórdãos 93.º Volume \ 2015

412 TRIBUNAL CONSTITUCIONAL os citados atos de autoridade poderem ser praticados no âmbito de qualquer uma das funções do Esta- do – e é pacífico ser esse o âmbito do artigo 22.º da Constituição –, obriga naturalmente a concretizar a garantia da responsabilidade direta do Estado, de modo a adequá-la à diferente tipologia de atuações que pode estar em causa; ponto é que a legislação infraconstitucional, nomeadamente as “cláusulas legais limitativas ou excludentes de responsabilidade”, não eliminem nem esvaziem de sentido a garantia da responsabilidade direta do Estado e não sejam arbitrárias ou desproporcionadas. V – A efetivação da responsabilidade por erro judiciário implica o reexercício da função jurisdicional rela- tivamente à mesma questão de direito ou de facto: uma primeira decisão judicial é considerada errada por um ato jurisdicional subsequente; tal reexercício pode ocorrer no âmbito de um recurso ordinário interposto da primeira decisão ou fora dele, sendo esta segunda hipótese que, desde sempre tem susci- tado as maiores dificuldades; por outro lado, a circunstância de a verificação do erro judiciário exigir o reexercício da função jurisdicional cria naturais interdependências entre o regime constitucional e legal do direito ao recurso e o regime da responsabilidade por erro judiciário. VI – As especificidades próprias do regime do erro judiciário estão na origem de uma orientação seguida por este Tribunal, cujo entendimento assenta numa conceção da função jurisdicional em que o juiz é o mediador necessário do direito, e que destaca o ilogismo que representaria uma solução que prescin- disse de um requisito como aquele que vem estatuído no artigo 13.º, n.º 2, do RCEEP: uma decisão judicial transitada em julgado não deve poder vir a ser posteriormente «desautorizada» – isto é, em concreto afastada ou desconsiderada –, mesmo que só incidentalmente e para efeitos de verificação de erro de julgamento relevante em sede de responsabilidade civil por «facto» da função jurisdicional, por outro tribunal “porventura até de diferente espécie ou pertencente a uma diversa ordem de jurisdição, ou inclusivamente da mesma espécie, mas de grau inferior”. VII – Contudo, esta perspetiva não pode hoje ser aceite sem mais, desde logo, por incompatibilidade com o direito da União Europeia da solução consagrada no artigo 13.º, n.º 2, do RCEEP; com efeito, é hoje consensual a admissibilidade da responsabilidade de um Estado membro da União em consequência da violação do direito da União imputável ao exercício da função jurisdicional, mesmo que tal vio- lação resulte da decisão de um tribunal que decida em última instância; consequentemente, o artigo 13.º, n.º 2, do RCEEP é inaplicável à responsabilidade do Estado Português por ações e omissões dos seus tribunais violadoras de normas do direito da União Europeia. VIII – Do ponto de vista orgânico-funcional, a questão suscitada pelo erro judiciário pode ser equacionada em termos de saber qual a instância judicial que se encontra normativamente habilitada a pronunciar-se sobre uma determinada causa e qual o âmbito da sua pronúncia; constitucionalmente, compete ao juiz da causa a autoridade para «dizer o que a norma diz», sendo ele – e só ele – quem tem legitimidade para o concreto ato judicante; porém, esta habilitação normativa pode também ela ser transferida e é precisa- mente esta possibilidade de transferência normativa da autoridade de «dizer o que diz a lei», mesmo fora do âmbito dos recursos, que permite explicar dogmaticamente a solução encontrada ao nível do direito da União Europeia quanto à responsabilidade dos Estados membros por erro judiciário. IX – Todavia, esta linha de raciocínio implica igualmente o reconhecimento de que a apreciação de tal responsabilidade coenvolve uma reapreciação – ainda que meramente incidental – da sentença ou acórdão anterior, não sendo irrelevante que uma decisão judicial transitada em julgado volte a ser apreciada por um tribunal e, muito menos, que a apreciação de uma questão jurídica feita por um tribunal inferior possa prevalecer sobre a apreciação de idêntica questão feita por um tribunal superior.

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