TRIBUNAL CONSTITUCIONAL Acórdãos 93.º Volume \ 2015

41 acórdão n.º 377/15 Com efeito, o artigo 3.º da Lei n.º 4/83, de 2 de abril, já prevê, em relação aos titulares de cargos polí- ticos, consequências para a não apresentação das declarações devidas ou para a apresentação de declarações falsas. O novo tipo incriminador, ao considerar a incompatibilidade do património adquirido, possuído ou detido por tais titulares não só com os bens e rendimentos por si já declarados, mas também com aqueles que os mesmos titulares devessem declarar, revela-se por isso, inadequado a reforçar a tutela atualmente já dispen- sada ao bem jurídico-penal visado, nomeadamente através do sancionamento autónomo do incumprimento do dever especial de declaração a que se encontram obrigados os titulares de cargos políticos. Pelo exposto, a conclusão segundo a qual esse fim almejado pelo legislador que estabeleceu uma nova incriminação não poderia ser realizado por medida de política legislativa menos violenta do que aquela que se traduz na previsão de novos crimes e de novas penas não pode, no caso, ser afirmada. Mas é por esse motivo, e não por qualquer outro, que entendemos ser ainda, quanto a este ponto, a norma em causa lesiva do disposto no n.º 2 do artigo 18.º da CRP. – Maria Lúcia Amaral – Pedro Machete. DECLARAÇÃO DE VOTO Acompanho a decisão e, no geral, a fundamentação, mas desta me afasto quanto à posição assumida no âmbito do ponto 18 quando se considera que a construção típica do crime de enriquecimento injustificado não permite concluir que, através dele, se prossegue um bem jurídico digno de tutela penal. A construção de uma norma criminal que se queira legitimada e reconhecida como tal exige a tutela de um bem jurídico-penal que se reflita, de forma explícita ou implícita, mas sempre clara, na ilicitude típica. Ora, se é certo que, por exigências de legitimação penal, as condutas proibidas e punidas devem estar refe- ridas à proteção de um bem jurídico-penal, não é menos certo que esse bem jurídico é incapaz de fornecer imediatamente a conduta que tem de ser incriminada. A conduta em que se consubstancia um tipo de crime não pode ser determinada por uma aplicação racionalmente dedutiva ou lógico-subsuntiva do bem jurídico. Ao bem jurídico-penal cabe apenas a função de indicar o que pode ser legitimamente tutelado pelo direito penal, ou seja, os valores e interesses essenciais à realização humana em sociedade que se encontram refletidos no texto constitucional. Cabendo ao bem jurídico a função de delimitar negativamente a conduta a criminalizar, então é pos- sível divisar no tipo incriminador do enriquecimento injustificado – artigo 2.º do Decreto n.º 369/XII da Assembleia da República pretende aditar à Lei n.º 34/87, de 16 de julho – a proteção de um específico bem jurídico: a transparência da situação patrimonial dos titulares de cargos políticos e de altos cargos públicos. Trata-se de um valor ou bem jurídico com capacidade para intervir na conformação de ilícitos e condutas penais. Na verdade, a consciência atual da relevância do fenómeno e da origem da corrupção, suborno, clientelismo e fraude, assim como os reflexos perniciosos que estes atos têm na sociedade e nas instituições, contribuem para que se conceda à transparência dos proventos dos titulares de cargos políticos (e até aos demais funcionários públicos, em especial os que exercem cargos de direção e chefia) a dignidade de bem jurídico-penal. Sabendo-se que a corrupção – independentemente do valor, patrimonial ou não, e das suas manifestações concretas – provoca a erosão da confiança nas instituições político-administrativas e inutiliza boa parte dos esforços de concretização dos objetivos proclamados, aquela transparência assume grande importância social, tornando-se um bem cada vez mais precioso aos olhos da comunidade. Um indício seguro dessa importância é a ligação desse valor a bens constitucionalmente relevantes no exercício de fun- ções públicas, como o da legalidade, da imparcialidade e da exclusividade (cfr. artigos 266.º, n.º 2 e 269.º da CRP). Ora, a prossecução objetiva, exclusiva e transparente do interesse público impõe, como um dos seus corolários, o dever de idoneidade material ou o dever de probidade, segundo o qual quem exerce funções públicas está proibido de se aproveitar dos poderes e da sua posição como fonte de receitas ou vantagens para si ou para outrem.

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