TRIBUNAL CONSTITUCIONAL Acórdãos 93.º Volume \ 2015
406 TRIBUNAL CONSTITUCIONAL O problema reside, portanto, em saber se a aplicação do artigo 100.º ao cômputo da prescrição invocável pelo responsável subsidiário do contribuinte direto cuja insolvência é declarada contende com o regime da respetiva prescrição tributária e, consequentemente, com o regime das suas garantias enquanto contribuinte. 9. A prescrição, enquanto instituto jurídico em geral, impõe-se por razões relacionadas com a segurança, certeza e paz jurídicas. No campo do direito civil, invocam-se também razões relacionadas com um presu- mível desinteresse do credor na efetivação do seu direito, relacionadas com um certo decurso prolongado de tempo sem que o mesmo manifeste ou exteriorize, designadamente através do exercício do direito de ação, a sua intenção na satisfação do mesmo (cfr. Vaz Serra, “Prescrição e caducidade”, estudo publicado no Boletim do Ministério da Justiça, n. os 105 a 107, passim , e Benjamim Silva Rodrigues, ob. cit. , p. 263). O desinteresse do credor enquanto fundamento da prescrição é também invocado por alguma doutrina no campo adminis- trativo (vide por exemplo, Fernanda Maçãs, “A caducidade no Direito Administrativo: breves considerações”, in Estudos em Homenagem ao Conselheiro Cardoso da Costa, Coimbra, Coimbra Editora, 2005, pp. 121-174). É por recurso, aliás, a tal doutrina, que a decisão recorrida fundamenta a mobilização do princípio contido no artigo 321.º, n.º 1, do Código Civil, enquanto princípio geral aplicável também no domínio do direito tributário e, consequentemente, em sede de prescrição tributária. Na verdade, a tese principal do tribunal a quo é a de que a suspensão do prazo prescricional surge como consequência necessária do regime da insolvência, exprimindo uma dimensão do princípio geral de direito consagrado no artigo 321.º do Código Civil e aplicável também em sede tributária. É este o argumento que permite àquela instância justificar a não pertença da disciplina normativa ora impugnada ao campo das garantias dos contribuintes, uma vez que a mesma surgiria como expressão daquele princípio geral, traduzido na ideia de não poder ser prejudicado pelo decurso do tempo o credor que se vê impossibilitado de, durante um certo período temporal, exercitar o seu direito. 10. Aqui chegados, cumpre relembrar que não cabe ao Tribunal Constitucional apreciar a correção da interpretação que o tribunal recorrido faz do direito infraconstitucional. Em sede de fiscalização da consti- tucionalidade, o Tribunal Constitucional limita-se a avaliar a compatibilidade com as normas e princípios constitucionais de tais interpretações, independentemente da sua maior ou menor correção. Também não compete ao Tribunal Constitucional tomar partido sobre querelas doutrinárias a propósito da interpretação do direito infraconstitucional. Quanto a esta específica matéria, é conhecida doutrina fiscal relevante que se opõe à mobilização, para o campo do direito tributário, de princípios do direito civil, desig- nadamente os que relacionam a prescrição à perda do interesse do credor na realização da prestação a que tem direito. Com efeito, atenta a indisponibilidade dos créditos fiscais, salienta Benjamim Silva Rodrigues que “será de excluir a aplicação de todas as normas de outros ramos de direito, mormente o civil, que tenham como fundamento a possibilidade de renúncia ou desinteresse pelo crédito” (cfr. Autor cit., ob. cit. , p. 265; no sentido de que a prescrição serve essencialmente interesses ligados à tutela da segurança jurídica dos contribuintes, vide também Sérgio Vasques, Manual de Direito Fiscal, Almedina, Coimbra, 2011, p. 372). Ponto é que a disciplina do artigo 100.º do CIRE não visa direta e imediatamente os créditos tributá- rios, mas a generalidade dos créditos sobre a massa insolvente, apresentando-se como uma solução imposta pelo caráter universal da execução em que se tende a traduzir o processo de insolvência e pela necessidade de assegurar no âmbito do mesmo a igualdade entre os credores da insolvência, sem prejuízo do valor e da hie- rarquia dos respetivos créditos. Nessa medida, “a suspensão de todos os prazos de prescrição e de caducidade oponíveis pelo devedor” surge como uma condição de operacionalidade do próprio regime do processo de insolvência tal como conformado pelo legislador, não se relacionando com a função garantística da reserva de lei fiscal. A suspensão de prazos em apreço é inerente às soluções normativas conformadoras do processo de insolvência, não introduzindo qualquer alteração no regime geral dos impostos (incluindo em matéria de prescrição e de caducidade). E a contraprova da racionalidade sistémica da inclusão dos créditos tributários titulados pela Administração fiscal no âmbito de aplicação do artigo 100.º do CIRE é a de que uma sua
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