TRIBUNAL CONSTITUCIONAL Acórdãos 93.º Volume \ 2015
38 TRIBUNAL CONSTITUCIONAL Finalmente, a indeterminação, que permanece na construção típica do crime de enriquecimento injus- tificado dos titulares de cargos políticos, não permite que se conclua que, através dele, se prossegue um bem jurídico digno de tutela penal, nos mesmos termos em que tal impossibilidade se verifica quanto ao crime previsto no artigo 335.º-A. Não se duvida que o bem jurídico complexo (e resumido, na sua complexidade, a uma ideia geral de confiança, enquanto elemento ético do Estado de direito) que o legislador diz ter cor- responda, em abstrato, a um valor constitucional de primeira grandeza. Todavia, e como se deixou já claro, não basta, para que se considere perfeita a imposição constitucional da necessidade de pena, a valoração que em tese possa merecer o bem que, segundo o legislador, com a nova incriminação se terá querido proteger. Fundamental é que, perante a formulação do concreto tipo criminal que para a sua garantia foi construído, se possa concluir que o bem ou «valor» protegido não poderia ser garantido de outra forma que não pela crimi- nalização daquele «comportamento» que foi tipicamente descrito. Ora é uma tal conclusão que a indetermi- nação da formulação típica constante do artigo 27.º-A a aditar à Lei n.º 34/87, de 16 de julho, não permite que se retire. Assim, também por este motivo lesa a norma referida o disposto no n.º 2 do artigo 18.º da CRP. III – Decisão Pelos fundamentos expostos, oTribunal Constitucional decide pronunciar-se pela inconstitucionalidade das normas constantes do n.º 1 do artigo 1.º e do artigo 2.º do Decreto da Assembleia da República n.º 369/XII, por violação dos artigos 18.º, n.º 2, 29.º, n.º 1, e 32.º, n.º 2, da Constituição da República Portuguesa. Lisboa, 27 de julho de 2015. – Maria Lúcia Amaral (com declaração conjunta com o Senhor Conse- lheiro Pedro Machete) – José António Teles Pereira – Maria de Fátima Mata-Mouros – Catarina Sarmento e Castro – João Pedro Caupers – Maria José Rangel de Mesquita – Pedro Machete (com declaração conjunta com a Senhora Conselheira Maria Lúcia Amaral) – Lino Rodrigues Ribeiro (com declaração) – Fernando Vaz Ventura (com declaração) – Carlos Fernandes Cadilha (com declaração) – João Cura Mariano – Ana Maria Guerra Martins – Joaquim de Sousa Ribeiro. DECLARAÇÃO DE VOTO Entendeu a maioria que, em relação ao aditamento à lei sobre crimes da responsabilidade dos titulares de cargos políticos, previsto pelo artigo 2.º do Decreto, se não deveriam retirar quaisquer conclusões do par- ticular estatuto constitucional que detêm os agente típicos da incriminação, estatuto esse que é reconhecido nos pontos 16 e 17 do Acórdão. Dissentimos deste entendimento pelas seguintes razões: 1. Tal como se diz no Acórdão (ponto 10.1.), o princípio constitucional da necessidade de pena des- dobra-se em duas vertentes essenciais: é não apenas exigível que, perante cada nova incriminação, se possa divisar no «tipo» desenhado pelo legislador a prossecução de um bem jurídico que seja digno de tutela penal, como é também necessário, para que se cumpram as exigências decorrentes do n.º 2 do artigo 18.º da CRP, que perante a nova decisão de criminalizar se revele tal bem carente, ou precisado, da referida tutela. Acompanhamos a conclusão sufragada pelo Acórdão quanto à impossibilidade de se divisar, perante o tipo incriminador constante do artigo 1.º do Decreto parlamentar – relativo ao artigo 335.º-A do Código Penal –, um qualquer bem jurídico que seja digno de tutela penal; mas dissentimos da maioria quanto à possibilidade, por ela afirmada, de sustentar idêntica conclusão quanto ao previsto no artigo 2.º do Decreto. Aí, entendemos que o problema não estará na ausência de bem digno de tutela, mas antes na impossibilidade
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