TRIBUNAL CONSTITUCIONAL Acórdãos 93.º Volume \ 2015
377 acórdão n.º 360/15 Só depois de decorrido esse prazo de 30 anos é que a norma transitória é alterada e por essa via formal o direito do inquilino desaparece. Tratava-se já de um direito ou de uma mera expectativa não tutelada pelo direito? Uma vez tendo decorrido o prazo para proteção e tendo o réu invocado o decurso desse prazo na ação judicial, cre- mos estar já não perante uma mera expectativa. Se, como vimos, as normas dispõem para o futuro e se o direito estava já constituído na esfera jurídica do inquilino, a norma transitória que deita por terra esse direito não deve ser aplicada. A jurisprudência constitucional (já citado Acórdão n.º 201/07) acolheu o que anteriormente já se afirmara no Acórdão n.º 259/98, julgando “inconstitucional – por violação do artigo 2.º da Constituição – a norma constante do artigo 107.º, n.º 1, alínea b) ” dessa versão originária do Regime do Arrendamento Urbano, que alargara de 20 para 30 anos o prazo que permitia ao arrendatário opor-se ao exercício do direito de denúncia, “interpretada no sentido de abranger os casos em que já decorrera integralmente, no domínio da lei antiga, o tempo de permanência do arrendatário, indispensável, segundo essa lei, para impedir o exercício do direito de denúncia pelo senhorio. Nesse acórdão n.º 259/98 (…), foi julgada inconstitucional, por violação do artigo 2.º da Constituição da República, a norma do artigo 107.º, n.º 1, alínea b) , do Regime do Arrendamento Urbano, interpretada no sentido de abranger os casos em que já decorrera integralmente, no domínio da lei antiga, o tempo de permanência do arrendatário, indispensável, segundo essa lei, para impedir o exercício do direito de denúncia pelo senhorio. Ao contrário, a norma adquiriria uma dimensão de imprevisibilidade e arbitrariedade contrária às diretivas do artigo 2.º da Constituição. Mesmo o domínio do direito privado não é um domínio livre dessas diretivas ( idem ). Violar-se-iam os princípios da segurança jurídica e da confiança impostos pelo Estado de Direito. Por outro lado, a aplicação da norma transitória (na redação de 2012) à situação dos autos violaria o princípio de não retroatividade das leis restritivas de direitos, consignado no artigo 18.º, n.º 3, da Constituição da República Portuguesa, já que o direito à habitação (art. 65.º) é configurado como um direito fundamental e o artigo 17.º prescreve que [o] regime dos direitos, liberdades e garantias aplica-se aos enunciados no título II e aos direitos fundamentais de natureza análoga. Em face do exposto, ao abrigo do disposto do artigo 204.º, da CRP, deve ser recusada a aplicação da norma que a seguir refiro com fundamento na respetiva inconstitucionalidade nos termos infra enunciados: – Inconstitucionalidade material da norma constante do artigo 28.º, n.º 2, da lei n.º 6/2006, de 27 de fevereiro (na redação dada pela lei n.º 31/2012, de 14 de agosto) quando interpretada no sentido de ser aplicável o seu dispositivo a situações em que o arrendatário, à data da entrada em vigor da lei n.º 31/2012 se mantivesse no local arrendado há 30 anos ou mais anos e no decurso da ação de despejo tivesse já alegado a exceção que tornaria inoperante o direito de denúncia, isto por violação do disposto nos artigos 2.º e 18.º, n.º 3, estes da Constituição da República Portuguesa.[…]» 4. Dessa decisão interpôs o Ministério Público o presente recurso, nos termos dos artigos 280.º, n. os 1, alínea a) , e 3, da Constituição, 70.º, n.º 1, alínea a) , e 72.º, n.º 3, da Lei n.º 28/82, de 15 de novembro (doravante LTC), peticionando a apreciação da constitucionalidade da “norma constante do artigo 28.º, n.º 2, da Lei n.º 6/2006, de 27 de fevereiro (na redação dada pela Lei n.º 31/2012, de 14 de agosto) quando interpretada no sentido de ser aplicável o seu dispositivo a situações em que o arrendatário, à data da entrada em vigor da Lei n.º 31/2012 se mantivesse no local arrendado há 30 anos ou mais anos e no decurso da ação de despejo tivesse já alegado a exceção que tornaria inoperante o direito de denúncia, isto por violação do disposto nos artigos 2.º e 18.º, n.º 3, estes da Constituição da República Portuguesa”. 5. Admitido o recurso e determinado neste Tribunal o seu prosseguimento, veio apenas o Ministé- rio Público apresentar alegações, pugnando pela confirmação de julgamento de inconstitucionalidade da interpretação normativa questionada, por violação do princípio da proteção da confiança legítima, ínsito no artigo 2.º da Constituição, e ainda por infração do princípio da não retroatividade das leis restritivas de direitos, liberdades e garantias, consignado no artigo 18.º, n.º 3, da Constituição, improcedendo o recurso. Cumpre apreciar e decidir.
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