TRIBUNAL CONSTITUCIONAL Acórdãos 93.º Volume \ 2015

376 TRIBUNAL CONSTITUCIONAL não se descortina razões de interesse público que justifiquem, em ponderação, a não continuidade do comportamento que gerou tal posição de confiança, pelo que cumpre concluir que a norma sindicada viola os princípios da segurança jurídica e da proteção da confiança legítima, integrantes do princípio do Estado de direito democrático contido no artigo 2.º da Constituição. Acordam na 2.ª Secção do Tribunal Constitucional: I – Relatório 1. A. intentou ação contra B. e C., pedindo que se declare a denúncia de contrato de arrendamento e que sejam os réus condenados a despejar a fração autónoma dele objeto e entregá-la ao A., livre e devoluta de pessoas e bens, com fundamento na necessidade do local arrendado para a sua habitação e do seu agregado familiar. 2. Distribuída a ação ao 3.º Juízo Cível do Tribunal de Família e Menores e de Comarca de Portimão, os réus apresentaram contestação (individual), na qual ambos excecionaram que se mantêm no local arrendado por período superior a 30 anos e, por esse facto, o direito de denúncia não se verificava, atento o disposto na alínea b) do n.º 1 do artigo 107.º do Regime do Arrendamento Urbano (doravante RAU), aplicável por força dos artigos 26.º, n.º 4, alínea a) , e 28.º, ambos da Lei n.º 6/2006, de 27 de fevereiro. 3. Por sentença proferida em 14 de novembro de 2013, foi julgada improcedente a ação e absolvidos os réus do pedido. No essencial, o raciocínio jurídico expendido pelo tribunal a quo assentou no apuramento de que os réus se mantêm no locado desde 1975 – ou seja, como alegado, há mais de 30 anos, considerando a entrada da ação em 2011 – o que, face ao regime legal anterior à Lei n.º 31/2012, de 14 de agosto, impedia o direito de denúncia do arrendamento pelo senhorio para habitação própria. Porém, com a edição da referida Lei, foi eliminada tal proteção do arrendatário – e inviabilizada a defesa por exceção com esse fundamento, já deduzida nos autos –, infringindo desse modo os princípios da segurança jurídica e da proteção da confiança legítima, ínsitos no artigo 2.º da Constituição, e ainda o princípio da não retroatividade das leis restritivas de direitos, liberdades e garantias, consignado no artigo 18.º, n.º 3, da Constituição. E, com fundamento na sua inconstitucionalidade, desaplicou a norma com esse sentido. Diz-se na sentença referida, a esse propósito: «No caso dos autos não está em causa um contrato que foi celebrado depois da entrada em vigor da lei n.º 6/2006. Também não está em causa um contrato em que a previsão da norma de proteção ainda não [se] tivesse verificado à data da entrada da ação, por exemplo, se o inquilino estivesse na casa há 10 anos. Está em causa um contrato de 1975, sendo que à data da entrada da ação (na vigência da Lei n.º 6/2006) tinham já decorrido os 30 anos que conferiam ao inquilino a proteção de não poder ver o contrato de arrendamento denunciado, impossi- bilitando os autores de exercerem com sucesso o direito de denúncia do contrato de arrendamento para habitação do senhorio. Com a norma transitória do artigo 26.º da Lei de 2006, o inquilino confiou que mantinha o direito de manter vivo o contrato de arrendamento ainda que perante um pedido de denúncia por parte do senhorio.

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