TRIBUNAL CONSTITUCIONAL Acórdãos 93.º Volume \ 2015
372 TRIBUNAL CONSTITUCIONAL com sujeição ao regime previsto nessa norma, na dependência do assentimento de ambos os progenitores não poderia deixar de equivaler à atribuição ao progenitor masculino de um direito de veto. Não sendo concebível a previsão da possibilidade de recurso aos tribunais para dirimir uma eventual divergência entre a grávida e o progenitor acerca da realização, nos termos previstos na alínea e) do n.º 1 do artigo 142.º do Código Penal, de uma interrupção da gravidez desejada pela primeira e indesejada pelo segundo, um princípio de direção conjunta do destino do embrião ou do feto redundaria aqui na atribuição ao progenitor da prerrogativa de, por ato unilateral e discricionário, impedir a aplicação daquela alínea e, com isso, reconvocar a proteção do direito penal, submetendo, com isso, a grávida à ameaça da pena – apesar de esta ter sido considerada, pelo legislador de 2007, instrumento não necessário de tutela da vida intraute- rina até às 10 semanas de gravidez.” (Acórdão n.º 75/10, acima citado). Ora, tendo-se entendido que existia uma justificação para um tratamento diferenciado dos progenitores na decisão de prosseguimento da gravidez nas primeiras dez semanas, não faz qualquer sentido que, numa pretensa lógica de compensação, aquele a quem não se assegurou a participação naquela decisão, fique liberto do dever de assumir a paternidade do filho que entretanto nasceu, sob invocação do princípio da igualdade. Tal solução não só não é exigida pelo princípio da igualdade, o qual tem como pressuposto a qualificação das situações em comparação como iguais, como seria ela própria geradora de desigualdade e redundaria num sacrifício injustificado do direito fundamental de uma pessoa já nascida ver estabelecido o vínculo jurídico da paternidade. Por estas razões não ofende qualquer parâmetro constitucional, designadamente o princípio da igual- dade, as normas constantes dos artigos 1865.º, n.º 5, e 1869.º do Código Civil, interpretadas com o sentido de que é possível proceder ao reconhecimento judicial da paternidade contra a vontade do pretenso progeni- tor, devendo o recurso interposto ser julgado improcedente. III – Decisão Nestes termos decide-se: a) Não julgar inconstitucionais as normas constantes dos artigos 1865.º, n.º 5, e 1869.º do Código Civil, na interpretação de que é possível proceder ao reconhecimento judicial da paternidade contra a vontade do pretenso progenitor. E, em consequência, b) Julgar improcedente o recurso interposto para o Tribunal Constitucional por A.. Custas pelo recorrente, fixando-se a taxa de justiça em 25 unidades de conta, ponderados os critérios referidos no artigo 9.º, n.º 1, do Decreto-Lei n.º 303/98, de 7 de outubro (artigo 6.º, n.º 1, do mesmo diploma). Lisboa, 23 de junho de 2015. – João Cura Mariano – Ana Guerra Martins – Pedro Machete (com decla- ração) – Fernando Vaz Ventura – Joaquim de Sousa Ribeiro. DECLARAÇÃO DE VOTO Votei a decisão exclusivamente por considerar que a norma sindicada não viola o princípio da igualdade, inexistindo portanto uma discriminação negativa do homem em razão do sexo. Na verdade, as situações do homem e da mulher, quanto ao estabelecimento da filiação biológica nos casos em que uma pessoa com pai ou mãe desconhecido pode ser seu filho ou filha ( tertium comparationis ), são iguais; como igual é o tratamento jurídico dispensado a essas mesmas situações: é possível proceder ao
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