TRIBUNAL CONSTITUCIONAL Acórdãos 93.º Volume \ 2015
371 acórdão n.º 346/15 ao estabelecimento do vínculo jurídico da paternidade biológica, sendo também o meio mais eficaz de satis- fação do direito ao conhecimento da ascendência biologicamente verdadeira quando o suposto pai recusa qualquer colaboração. Apesar de não estarmos perante um direito absoluto que não possa ser confrontado com valores con- flituantes, podendo estes exigir uma tarefa de harmonização dos interesses em oposição, ou mesmo a sua restrição ( v. g. artigos 1987.º do Código Civil, 10.º, n.º 2, e 21.º da Lei n.º 32/2006, de 26 de julho, ou o estabelecimento de prazos de prescrição no artigo 1817.º do Código Civil), o seu conteúdo exige necessa- riamente uma situação de sujeição do progenitor, ao qual não assiste um espaço de autodeterminação pela negativa. O direito do filho ao estabelecimento do vínculo jurídico da paternidade, em correspondência com a verdade biológica, é incompatível com um reconhecimento da autodeterminação parental neste domínio. O recorrente defende que as razões que justificaram que o nosso ordenamento jurídico reconheça a autodeterminação parental da mulher, quando se permite que esta opte pela interrupção voluntária da gra- videz até à décima semana – cfr. Lei n.º 16/2007, de 17 de abril – valem também para a autodeterminação parental do homem, constituindo uma discriminação, em razão do sexo, não permitir que este também tenha liberdade de determinar se quer ou não exercer a paternidade. Esta linha de argumentação parte de um erro de princípio – a constelação de interesses e valores em jogo na definição da licitude penal do ato de interrupção voluntária da gravidez por parte da mulher é substan- cialmente diversa daquela que preside aos termos da participação do homem no estabelecimento do vínculo jurídico da paternidade de criança já nascida. Na verdade, naquela primeira situação está sobretudo em discussão a possibilidade do legislador preferir, como meio de proteção da vida intrauterina numa fase inicial da gravidez em que a mulher e o nascituro ainda se apresentam como uma unidade, “ganhar” a grávida para a solução da preservação da potencialidade de vida, através da promoção de uma decisão refletida, mas deixada, em último termo, à sua responsabilidade, em vez de optar pela crua ameaça com uma punição criminal, de resultado comprovadamente fracassado (cfr. Acórdão n.º 75/10, acessível em www.tribunalconstitucional.pt ) . O reconhecimento de autonomia decisória à mulher sobre o prosseguimento da gravidez, exercido em determinadas circunstâncias previstas na lei, não resulta de uma superiorização do direito à autodeterminação, funcionando antes esse reconhecimento como uma via alternativa de proteção ao nascituro recém-concebido. Daí que sejam totalmente imprestáveis os fundamentos que presidiram à solução consagrada na Lei n.º 16/2007, de 17 de abril, para fundamentar um pretenso direito do homem a rejeitar a paternidade de filho após o seu nascimento. Por igual razão não colhe a alegação de que o facto do reconhecimento jurídico da paternidade poder ser efetuado sem o consentimento do pai, constitui uma descriminação em razão do sexo, proibida pelo artigo 13.º, n.º 2, da Constituição, face à possibilidade conferida à mãe de, por sua decisão, interromper a gravidez nas primeiras dez semanas, uma vez que não estamos perante situações valorativamente iguais, sob nenhum ponto de vista, pelo que não é possível identificar um termo de comparação que permita fazer operar o prin- cípio da igualdade. Este princípio já foi convocado na verificação da constitucionalidade da própria solução introduzida pela Lei n.º 16/2007, de 17 de abril, com fundamento na omissão da exigência de participação do progenitor masculino no processo de formação da decisão sobre a interrupção da gravidez, existindo aí efetivamente uma identidade valorativa de situações. Concluiu-se que, nos casos em que nessa altura (dez semanas de gravidez) a paternidade já poderia ser reconhecida, “a solução normativa consistente na inexigibilidade do consentimento do progenitor para a rea- lização da interrupção da gravidez prevista na alínea e) do n.º 1 do artigo 142.º do Código Penal não envolve qualquer desqualificação arbitrária da paternidade enquanto valor social eminente, nem se apresenta carecida de justificação objetiva e racional, em termos de poder ser considerada violadora do princípio da igualdade. A solução está, por assim dizer, na “natureza das coisas”, por condicionada pela realidade biológica da gestação humana.” Entendeu-se que “a colocação da possibilidade de realização da interrupção voluntária da gravidez,
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