TRIBUNAL CONSTITUCIONAL Acórdãos 93.º Volume \ 2015

370 TRIBUNAL CONSTITUCIONAL à identidade pessoal (artigo 26.º, n.º 1, da Constituição), quer do direito fundamental de constituir família (artigo 36.º, n.º 1, da Constituição). Como se refere no Acórdão n.º 401/11 deste Tribunal (acessível em www.tribunalconstitucional.pt ) , “a identidade pessoal consiste no conjunto de atributos e características que permitem individualizar cada pes- soa na sociedade e que fazem com que cada indivíduo seja ele mesmo e não outro, diferente dos demais, isto é, “uma unidade individualizada que se diferencia de todas as outras pessoas por uma determinada vivência pessoal” (Jorge Miranda/Rui Medeiros, em Constituição Portuguesa Anotada , Tomo I, p. 609, da 2.ª edição, da Coimbra Editora). Este direito fundamental pode ser visto numa perspetiva estática – onde avultam a identificação gené- tica, a identificação física, o nome e a imagem – e numa perspetiva dinâmica – onde interessa cuidar da verdade biográfica e da relação do indivíduo com a sociedade ao longo do tempo. A ascendência assume especial importância no itinerário biográfico, uma vez que ela revela a identidade daqueles que contribuíram biologicamente para a formação do novo ser. O conhecimento dos progenitores é um dado importante no processo de autodefinição individual, pois essa informação permite ao indivíduo encontrar pontos de referência seguros de natureza genética, somática, afetiva ou fisiológica, revelando-lhe as origens do seu ser. É um dado importantíssimo na sua historicidade pessoal. Como expressivamente salienta Guilherme de Oliveira, «saber quem sou exige saber de onde venho» (em “Caducidade das ações de investi- gação”, ob. cit. , p. 51), podendo, por isso dizer-se que essa informação é um fator conformador da identidade própria, nuclearmente constitutivo da personalidade singular de cada indivíduo. Mas o estabelecimento jurídico dos vínculos da filiação, com todos os seus efeitos, conferindo ao indiví- duo o estatuto inerente à qualidade de filho de determinadas pessoas, assume igualmente um papel relevante na caracterização individualizadora duma pessoa na vida em sociedade. A ascendência funciona aqui como um dos elementos identificadores de cada pessoa como indivíduo singular. Ser filho de é algo que nos distin- gue e caracteriza perante os outros, pelo que o direito à identidade pessoal também compreende o direito ao estabelecimento jurídico da maternidade e da paternidade. Por outro lado, o direito fundamental a constituir família consagrado no artigo 36.º, n.º 1, da Consti- tuição, abrange a família natural, resultante do facto biológico da geração, o qual compreende um vetor de sentido ascendente que reclama a predisposição e a disponibilização pelo ordenamento de meios jurídicos que permitam estabelecer o vínculo da filiação, com realce para o exercitável pelo filho, com o inerente conhecimento das origens genéticas. Na verdade, o direito a constituir família, se não pode garantir a inserção numa autêntica comunidade de afetos – coisa que nenhuma ordem jurídica pode assegurar – implica necessariamente a possibilidade de assunção plena de todos os direitos e deveres decorrentes de uma ligação familiar suscetível de ser juridica- mente reconhecida. Pela natureza das coisas, a aquisição do estatuto jurídico inerente à relação de filiação, por parte dos filhos nascidos fora do matrimónio, processa-se de forma diferente da dos filhos de mãe casada, uma vez que só estes podem beneficiar da presunção de paternidade marital. Mas essa aquisição, deve ser garantida através da previsão de meios eficazes. Aliás a perentória proibição de discriminação dos filhos nas- cidos fora do casamento (artigo 36.º, n.º 4, da Constituição) não atua só depois de constituída a relação, projeta-se também na fase anterior, exigindo que os filhos nascidos fora do casamento possam aceder a um estatuto idêntico aos filhos nascidos do matrimónio. A infundada disparidade de tratamento, em violação daquela proibição, tanto pode resultar da atribuição de posições inigualitárias, em detrimento dos filhos provenientes de uma relação não conjugal, como, antes disso, e mais radicalmente do que isso, do estabe- lecimento de impedimentos desrazoáveis a que alguém que biologicamente é filho possa aceder ao estatuto jurídico correspondente. É, pois, pacífica a previsão constitucional dos direitos ao conhecimento da paternidade biológica e do estabelecimento do respetivo vínculo jurídico, como direitos fundamentais.” No atual ordenamento jurídico português, a ação de investigação de paternidade prevista nos artigos 1865.º, n.º 5, e 1869.º do Código Civil constitui o único meio destinado à efetivação do direito fundamental

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