TRIBUNAL CONSTITUCIONAL Acórdãos 93.º Volume \ 2015

368 TRIBUNAL CONSTITUCIONAL Código Civil, e 1869.º e seguintes do Código Civil, na interpretação de que é possível proceder a averigua- ção oficiosa e/ou reconhecimento judicial da paternidade contra a vontade do pretenso progenitor. (p) Assim, e com o douto suprimento de V. Exas., deverá salvo melhor opinião ser declarada a inconstitucio- nalidade dos artigos 202.º e seguintes da OTM, 1864.º e seguintes do Código Civil, e 1869.º e seguintes do Código Civil, na interpretação de que é possível proceder a averiguação oficiosa e/ou reconhecimento judicial da paternidade contra a vontade do pretenso progenitor, por violação do disposto no artigo 13.º, n.º 2, da Constituição da República Portuguesa.» O Ministério Público contra-alegou, sustentando a improcedência do recurso. II – Fundamentação 1. Delimitação do objeto do recurso Com o presente recurso questiona-se não só a constitucionalidade das ações de reconhecimento judicial da paternidade, previstas nos artigos 1865.º, n.º 5, e 1869.º do Código Civil, mas também a dos processos de averiguação oficiosa da paternidade que antecedem necessariamente aquelas ações quando propostas pelo Ministério Público, previstas e reguladas nos artigos 1864.º a 1868.º do Código Civil e 202.º a 207.º da Organização Tutelar de Menores. O processo de averiguação oficiosa é um processo préjudicial que tem como finalidade habilitar o Minis- tério Público a intentar ação de reconhecimento de paternidade viável, na prossecução do interesse público da rápida superação da dúvida sobre a filiação dos cidadãos cuja paternidade se encontra omissa no registo, e cuja consagração pelo Código Civil aprovado pelo Decreto-Lei n.º 47344, de 25 de novembro de 1966, visou evitar a possibilidade de propositura de ações temerárias em situações em que o melindre dos factos a apurar pode colocar em causa, em maior ou menor grau, a intimidade ou a dignidade dos intervenientes. No presente caso, o recurso é interposto de um acórdão do Tribunal da Relação que confirmou sen- tença da 1.ª instância que julgou procedente ação de reconhecimento judicial da paternidade intentada pelo Ministério Público, nos termos do artigo 1865.º, n.º 5, do Código Civil, após ter sido proferido despacho de viabilidade em averiguação oficiosa, pelo que uma eventual inconstitucionalidade do processo de averiguação oficiosa é uma questão que já não terá qualquer repercussão sobre a decisão recorrida, por respeitar a fase pré-judicial anterior já ultrapassada. Assim, tendo o recurso de constitucionalidade uma natureza instrumental face ao processo onde o mesmo é deduzido, deve o seu objeto restringir-se à questão da constitucionalidade das ações de reconhe- cimento judicial da paternidade, previstas nos artigos 1865.º, n.º 5, e 1869.º do Código Civil, na interpre- tação de que é possível proceder ao reconhecimento judicial da paternidade contra a vontade do pretenso progenitor. 2. Do mérito do recurso O recorrente questiona a constitucionalidade das normas acima referidas, na medida em que permite que se estabeleça um vínculo jurídico de paternidade contra a vontade do pretenso pai. No nosso sistema legal vigora um regime diferenciado de estabelecimento da paternidade. Se a mãe é casada, presume-se que o pai é o marido da mãe (artigo 1826.º, n.º 1, do Código Civil). Fora do casamento a paternidade estabelece-se por perfilhação (artigo 1849.º do Código Civil) ou em resultado da procedência de ação de investigação de paternidade (artigos 1865.º, n.º 5, e 1869.º do Código Civil), podendo esta ação ser livremente intentada pelo filho ou pelo Ministério Público na sequência da procedência de uma averiguação oficiosa. É este último modo de estabelecimento da relação jurídica de paternidade, para o qual é irrelevante a vontade do pretenso pai, que o recorrente entende violar princípios constitucionais.

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