TRIBUNAL CONSTITUCIONAL Acórdãos 93.º Volume \ 2015
367 acórdão n.º 346/15 (c) A identidade de interesses, a semelhança das situações, entre o direito da mulher à determinação do momento adequado para exercer a maternidade (ou não, ou mesmo nunca) e o aqui discutido direito do homem a determinar o momento adequado para exercer a paternidade (ou não, ou mesmo nunca), implicará que todo o argumentário aplicado à situação da mulher aquando dos referendos efetuados em Portugal em torno da I.V.G. e aquando da subsequente decisão do legislador de a despenalizar, nos termos referidos no artigo 142.º, n.º 1, al. e) , C. P., na redação introduzida pela Lei n.º 16/2007, de 17 de abril, seja aplicável agora, de modo semelhante, ao homem. (d) Os interesses (ou critério de determinação da igualdade relativa) subjacentes à vontade de não procriar são substancialmente iguais para mulheres e homens, a autodeterminação e livre desenvolvimento da persona- lidade – sendo estes interesses que também o Senhor Conselheiro Rui Moura Ramos referiu no seu voto de vencido no Acórdão n.º 75/10, do Tribunal Constitucional. (e) E nem se invoque, em contrário e como parece fazer o Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa, o “inte- resse do menor” ou o direito do mesmo à sua identidade/filiação. (f ) Aliás, a lei inglesa ( Family Law Act de 1985, secção 55A) prevê o não estabelecimento da paternidade no caso de se tratar de uma criança e se concluir que o estabelecimento não seria no seu melhor interesse. (g) A declaração de inconstitucionalidade das citadas normas não implica uma violação do direito ao nome, até por nada obrigar, atualmente, a que os apelidos sejam, também, os do pai, pois a lei admite que a criança possa ter apelidos só da mãe, como resulta do artigo 1875.º, n.º 1, C. C. (h) Pelo Acórdão n.º 401/11 do Tribunal Constitucional foi decidido que o direito a conhecer a paternidade biológica (ou direito ao conhecimento das origens genéticas) e o de estabelecer o respetivo vínculo jurídico, não são valores absolutos, tendo de ser compatibilizado com outros, como o da reserva da vida privada. (i) Note-se que mesmo no nosso ordenamento jurídico se prevê, em alguns casos, a relativização do vínculo genético: artigo 1839.º, n.º 3, C. C., não é permitida a impugnação da paternidade com fundamento em inseminação artificial ao cônjuge que nela consentiu, e, na Lei n.º 32/2006, de 26 de julho, o teor do artigo 10.º, n.º 2, os dadores não podem ser havidos como progenitores da criança que vai nascer e o do artigo 21.º, o dador de sémen não pode ser havido como pai da criança que vier a nascer, não lhe cabendo quaisquer poderes ou deveres em relação a ela. (j) Em todo o caso, dúvidas não subsistirão de que, no nosso ordenamento jurídico, se mostra consagrada a autodeterminação parental da mulher, pois está legalmente consagrada a possibilidade de a mulher optar pela interrupção voluntária da gravidez até à décima semana – cfr. Lei n.º 16/2007, de 17 de abril, que alterou a redação do artigo 142.º, n.º 1, do Código Penal, aditando ainda ao mesmo a alínea e) . (k) Sendo que a vontade do homem não é acautelada juridicamente nos casos em que este pretenda que o filho nasça e a mulher não, abortando. (l) Não só a mulher é livre de não ter um filho que o homem quer, como também é livre de o ter quando o homem não o quer. (m) No mencionado Acórdão n.º 75/10 do Tribunal Constitucional foi tido em devida conta que para a mulher “o respeito pela vida intrauterina não se traduz apenas, como para terceiros, num dever de omitir qualquer conduta que a ofenda, [vindo] também a implicar, após o nascimento, na vinculação, por largos anos, a deveres permanentes de manutenção e cuidado para com um outro, os quais oneram toda a sua esfera existencial. (n) Após o nascimento não será aplicável para o homem o mesmo argumento? (o) Tendo a interrupção voluntária da gravidez, por mera opção da mulher, sido introduzida no ordenamento jurídico e considerada compatível com o teor dos artigos 24.º (direito à vida), 25.º (direito à integridade pessoal) e 36.º (família, casamento e filiação) da CRP enquanto corolário do direito ao livre desenvolvi- mento da personalidade e do direito à reserva da vida privada e familiar (art. 26.º, n.º 1, C.R.P.), ficou consagrada a tutela do direito à autodeterminação negativa em sede de procriação, para a mulher, discri- minando o homem em razão do sexo atentos os artigos 202.º e seguintes da OTM, 1864.º e seguintes do
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