TRIBUNAL CONSTITUCIONAL Acórdãos 93.º Volume \ 2015
36 TRIBUNAL CONSTITUCIONAL regime, aplicável aos titulares de cargos políticos e de altos cargos públicos, já decorre – por comparação com o regime fixado no n.º 1 do artigo 335.º-A – do n.º 1 do preceito que agora vimos analisando. Aí, a punição genericamente prevista é a de prisão até 5 anos; de acordo com o preceito que se pretende aditar ao Código Penal, tal punição seria de prisão até 3 anos. Para além deste aspeto geral, que demonstra que o crime de enriquecimento injustificado, quando previsto em relação a quem seja «titular de cargo político» ou «titular de alto cargo público», se distingue do outro que com o mesmo nome se procura prever – para ser aplicado a todo aquele que detiver, possuir, adqui- rir património cujo valor seja discrepante com declarações feitas ou que devam ser feitas – apenas no que diz respeito à maior severidade da punição, existe ainda um outro traço distintivo desta nova incriminação que merece ser sublinhado. Diversamente da maior severidade da punição, este outro traço distintivo não dife- rencia este tipo de crime face àquele outro que se pretende aditar ao Código Penal; diferencia-o, sim, face aos demais crimes de responsabilidade que já se encontram previstos na Lei n.º 34/87, de 16 de julho. Enquanto estes últimos serão apenas aqueles que o agente típico incluído no conceito legal de «titular de cargo político» ou de «titular de alto cargo público» cometer no exercício das suas funções (artigo 1.º da Lei n.º 34/87), o crime de enriquecimento injustificado, agora previsto pelo artigo 27.º-A, valerá não só para o «período do exercício de funções públicas» mas ainda para «[o]s três anos seguintes à cessação dessas funções». É o que decorre do n.º 1 daquele preceito. Assim descrito o regime especial que tem que analisar-se, e sendo certo que a raiz da sua especialidade, em todos os aspetos de que revista, se encontra no agente típico desta nova incriminação – que, diversamente do que vimos suceder quanto ao aditamento ao Código Penal, se não confunde com o cidadão comum –, importa resolver a questão de saber se, por esse motivo, deverá o Tribunal proceder a ponderações diversas daquelas que lhe merece o artigo 335.º-A, a cuja redação procede o artigo 1.º do Decreto parlamentar. Por outras palavras, o problema que tem agora que resolver-se é o de saber se, e em que medida, o enriqueci- mento injustificado cujo agente típico é o titular de cargo político e alto cargo público merecerá, quanto à sua conformidade constitucional, juízo diferente daquele que já foi feito sobre o mesmo enriquecimento injustificado, quando o seu agente típico é o cidadão comum: «quem, por si ou por interposta pessoa (…)». 17. Os titulares de cargos políticos (incluindo-se nesta genérica categoria também os titulares de altos cargos públicos) assumem perante a comunidade que servem especiais deveres e responsabilidades. Se dúvi- das houvesse quanto à justeza desta asserção, frequente na linguagem comum, ou quanto à possibilidade da sua relevância no plano mais estrito da dogmática jurídico-constitucional, dissipá-las-ia o reconhecimento pela CRP da existência de um estatuto dos titulares de cargos políticos, feito pelo artigo 117.º a propósito dos «princípios gerais de organização do poder político». Aquele ao qual foi confiado, nos termos da Consti- tuição, um certo múnus, deve, perante a sociedade estadual, prestar contas pelos atos que pratique no exer- cício das suas funções de forma mais exigente do que aquela que é prevista para quem não detém quaisquer poderes de decisão quanto ao devir da coletividade. É isto mesmo que resulta do já referido artigo 117.º, que não apenas prevê genericamente a responsabilidade política, civil e criminal dos titulares de cargos polí- ticos pelas «ações e omissões» conexas com o exercício de funções, como, para além disso ou por causa disso mesmo, endereça ao legislador duas ordens de regulação: a lei deve – diz o n.º 2 do preceito – dispor sobre os «deveres responsabilidades e incompatibilidades» desses titulares e sobre as «consequências do respetivo incumprimento»; a lei deve – diz o n.º 3 – determinar os crimes de responsabilidade e as sanções que lhe sejam aplicáveis. A Lei n.º 34/87, de 16 de julho, a cujo articulado o Decreto da Assembleia se propõe aditar o artigo 27.º-A, sobre o crime de enriquecimento injustificado, ao estatuir precisamente sobre os «crimes de responsabilidade dos titulares de cargos políticos», traduz o cumprimento, por parte do legislador ordinário, da ordem de regulação que lhe é endereçada nos termos do n.º 3 do artigo 117.º da CRP. Para além disso, não restarão dúvidas de que, por causa da especial posição que ocupam, sobre os titulares de cargos políticos recairá um dever geral de «transparência» quanto a formas de condução de vida pessoal ao qual não estará sujeito quem não detém quaisquer poderes de decisão pública. A legitimidade constitucional
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