TRIBUNAL CONSTITUCIONAL Acórdãos 93.º Volume \ 2015

354 TRIBUNAL CONSTITUCIONAL seus esforços em aspetos específicos da causa.” (Miguel Teixeira de Sousa, em Estudos sobre o novo Processo Civil , p. 376, da 2.ª edição, da Lex ). Um olhar minimamente atento sobre as regras que conformam a extensão da recorribilidade no âmbito das diferentes jurisdições permite chegar à conclusão de que a regra geral adotada pelo legislador ordinário no nosso sistema processual é a da recorribilidade das decisões judiciais para instâncias superiores. Essa tem sido aliás a orientação geral dos diversos sistemas jurídicos desde a introdução da appelatio do direito processual romano, apesar da existência de tribunais de recurso hierarquicamente superiores não deixar de suscitar opiniões críticas, sobretudo em épocas de “revolução” (referenciando estas críticas, vide Armindo Ribeiro Mendes, em Direito processual civil III – Recursos , p. 121-123, da edição da AAFDL, de 1982). Contudo, olhando a Constituição, não vemos nenhum preceito que consagre expressamente, em termos genéricos, o direito a um duplo grau de jurisdição. A Revisão Constitucional de 1997 procedeu somente à alteração do artigo 32.º, n.º 1, da Constituição, autonomizando expressamente o recurso no contexto das garantias de defesa do arguido que o processo penal deve assegurar. Este direito ao recurso, como garantia de defesa, tem sido identificado pelo Tribunal Constitucional com a garantia do duplo grau de jurisdição quanto a decisões penais condenatórias e ainda quanto às decisões penais respeitantes à situação do arguido face à privação ou restrição da liberdade ou de quaisquer outros direitos fun- damentais. Ao mesmo tempo que isso é reconhecido, não se deixa igualmente de afirmar que a Constituição não assegura o duplo grau de jurisdição quanto a todas as decisões proferidas em processo penal, havendo assim de admitir-se que a faculdade de recorrer seja restringida ou limitada em certas fases do processo e que, relati- vamente a certas decisões, possa mesmo não existir, desde que, dessa forma, se não atinja o conteúdo essencial do direito de defesa do arguido. Note-se que o assistente em processo-crime não beneficia desta garantia constitucional que apenas integra os direitos de defesa do arguido Tal exigência viria a vigorar cumulativamente na ordem jurídica portuguesa por força da entrada em vigor, em 1 de Março de 2005, do Protocolo n.º 7 à Convenção Europeia dos Direitos do Homem, cujo artigo 2.º consagrou também expressamente, como valor supra-legal, o “direito do arguido a um duplo grau de jurisdição em matéria penal”. Porém, são vários os preceitos constitucionais dos quais se pode retirar uma consagração implícita de um direito geral ao recurso, nomeadamente aqueles que se referem ao Supremo Tribunal de Justiça e aos Tribunais judiciais de primeira e segunda instância [artigos 209.º, n.º 1, a) , e 210.º, n.º 1, 3, 4 e 5]. Desta previsão constitucional de tribunais de diferente hierarquia resulta que o legislador ordinário não pode eliminar, pura e simplesmente, a faculdade de recorrer em todo e qualquer caso, na medida em que tal eliminação global dos recursos esvaziaria de qualquer sentido prático a competência dos tribunais superiores e deixaria sem conteúdo útil a sua previsão constitucional (cfr. Fernandes Thomaz e Colaço Canário, em “O objeto do recurso em processo civil”, na Revista da Ordem dos Advogados, Ano 42, 1982, II, pp. 365-366, e Armindo Ribeiro Mendes, na ob. cit. , pp. 124-127). Para além desta limitação, o legislador ordinário dispõe de uma ampla margem de liberdade na conformação do direito ao recurso. Não é desconhecida, porém, a tese da imposição constitucional da recorribilidade das decisões judiciais que afetem direitos fundamentais, pelo menos os que integram a categoria constitucional dos “direitos, liberdades e garantias”. Esta tese tem origem numa declaração de voto aposta por Vital Moreira, no Acórdão n.º 65/88 (em Acórdãos do Tribunal Constitucional , 11.º vol., p. 653) com o seguinte teor: “Votei a conclusão do Acórdão, mas não acompanho em tudo a respetiva fundamentação. Com efeito, penso que há-de considerar-se constitucionalmente garantido – ao menos por decurso do princípio do Estado de direito democrático – o direito à reapreciação judicial das decisões judiciais que afetem direitos fundamentais,

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