TRIBUNAL CONSTITUCIONAL Acórdãos 93.º Volume \ 2015
35 acórdão n.º 377/15 no que ao cidadão comum diz respeito, não se vê como pode a ocorrência desta incompatibilidade ser por si só ofensiva dos «interesses fundamentais do Estado» ou da «confiança nas instituições e no mercado», ou tão pouco em si mesma expressão necessária de uma «agressão» a valores como a «transparência» e a «pro- bidade», inter alia . Ao cidadão comum, que é o agente típico da infração prevista no artigo 335.º-A, não se conferem especiais poderes de decisão que afetem a vida da sociedade política como um todo. Por isso mesmo – e diversamente do que ocorre, como se verá já de seguida, com os titulares de cargos políticos e de altos cargos públicos – não se encontra ele sujeito a um qualquer dever, que o oponha a toda a comunidade, de perante ela desvelar permanentemente as vicissitudes por que passe a qualquer momento e por qualquer motivo o património que adquira, detenha ou possua. O bem jurídico digno de tutela penal (maximamente digno dessa tutela) que, segundo as palavras do legislador, justificaria a incriminação constante do n.º 1 do artigo 335.º-A que o Decreto da Assembleia pretenderia aditar ao Código Penal não é assim, face à formula- ção literal que esse mesmo Decreto confere à norma penal incriminadora, passível de ser divisado enquanto finalidade a ser prosseguida pela incriminação. D. Do aditamento à Lei n.º 34/87, de 16 de julho 16. A segunda medida de política criminal tomada pela Assembleia da República através do Decreto n.º 369/XII que nos presentes autos é impugnada diz respeito aos crimes de responsabilidade de titulares de cargos políticos e de altos cargos públicos. É na Lei n.º 34/87, de 16 de julho, que se sedia o regime aplicável à prática desta categoria de crimes. Por isso mesmo, a lei começa por definir não apenas o que se deva enten- der por titulares de cargos políticos e titulares de altos cargos públicos (artigos 3.º e 3.º-A) mas ainda o que se deva entender por crimes de [sua] responsabilidade, esclarecendo que no âmbito do conceito se incluirão todos os que forem praticados no exercício de funções (artigo 1.º). A seguir, preveem-se os [concretos] tipos de crimes e as sanções que lhes serão aplicáveis, sendo por ora de destacar, nesse elenco, a previsão do crime de prevaricação (artigo 11.º), recebimento indevido de vantagem (artigo 16.º), corrupção passiva (artigo 17.º), peculato (artigo 21.º), peculato de uso (artigo 21.º), participação económica em negócio (artigo 23.º) e abuso de poderes (artigo 26.º). O crime de enriquecimento injustificado, a ser aditado, conforme pretende o artigo 2.º do Decreto da Assembleia, a este diploma, através da sua inscrição como artigo 27.º-A, virá portanto acrescer a este elenco, apli- cando-se ao âmbito de pessoas que a própria lei identifica através das listas contidas nos seus artigos 3.º e 3.º-A. Tal como vem formulado, o novo tipo legal de crime reproduz quase integralmente a construção já feita no artigo 1.º do Decreto quanto ao artigo 335.º-A, a ser aditado ao Código Penal. Assim, tal como este último preceito, também o novo artigo 27.º-A da Lei n.º 34/87 contém uma redação estruturada em 6 números. O n.º 1 dedica-se a «desenhar» o tipo legal de crime de acordo com a reunião dos dois elementos que acabámos de analisar [ (i) a aquisição, posse ou detenção de património; (ii) que seja incompatível com rendimentos e bens declarados ou que devam ser declarados]; o n.º 2 a enunciar aqueles «valores» jurídicos que, segundo o legislador, justificam a incriminação, em enumeração totalmente coincidente com a já feita a propósito do aditamento ao Código Penal; os n. os 3 e 4 a determinar o que se deva entender por «patri- mónio» e por «rendimentos e bens declarados, ou que devam ser declarados» de forma também coincidente com o feito anteriormente; e os n. os 5 e 6 a modular a pena de acordo com o montante a que possa ascender a «incompatibilidade» existente entre património detido (ou possuído, ou adquirido) e património declarado, ou que deva sê-lo. Por conseguinte, e tal como sucede quanto ao n.º 5 do artigo 335.º-A, é excluída a punibi- lidade se o montante da discrepância entre património «detido» e «declarado» não exceder um certo limite. A única diferença entre um e outro regime está no facto de esse limite ser agora, para os «crimes de responsabi- lidade», não de 350 salários mínimos mensais (como é de acordo com o n.º 5 do artigo 335.º-A) mas apenas de 100, alargando-se portanto, em regime mais severo, o âmbito da punibilidade. Em idêntico sentido de maior severidade vai também o disposto no n.º 6, que prevê a possibilidade de punição com prisão até 8 anos caso o «valor» da incompatibilidade exceda os 350 salários mínimos mensais. Aliás, a maior severidade deste
Made with FlippingBook
RkJQdWJsaXNoZXIy Mzk2NjU=