TRIBUNAL CONSTITUCIONAL Acórdãos 93.º Volume \ 2015

328 TRIBUNAL CONSTITUCIONAL 3. Em segundo lugar e para além disto, penso que a inversão de jurisprudência que no caso se dá é tam- bém contrária às exigências subjetivas do recurso de constitucionalidade. Com esta decisão, aceita-se que o conhecimento do recurso por parte do Tribunal Constitucional fique dependente do momento em que o tribunal a quo apreciou a admissibilidade do mesmo, nos termos do disposto pelo n.º 1 do artigo 76.º da LTC. Assim, recorrentes que se dirijam ao Tribunal impugnando a constitucionalidade de uma norma que o juiz da causa aplicou, não obstante a arguição, em contrário, durante o processo [artigo 70.º, n.º 1, alínea b), da LTC], e que, ao mesmo tempo, arguam a nulidade da decisão recorrida (como sucedeu in casu ) podem vir a encontrar-se em situações completamente distintas, por razões perfeitamente alheias às suas vontades e aos seus comportamentos processuais. Na verdade, caso o tribunal a quo profira o despacho de admissão do recurso imediatamente após a sua entrada em juízo e antes da resolução da questão de nulidade entender-se-á em princípio que se não encontram esgotados os recursos ordinários que do caso caibam (artigo 70.º, n.º 2, da LTC) e a questão colocada não virá a ser conhecida. Mas caso o tribunal a quo proceda diferentemente, apreciando a admissibilidade do recurso após a decisão sobre a arguição de nulidade, já se entenderá – como sucede na situação presente – que se encontrarão esgotadas as instâncias ordinárias, e, pelo menos por esse motivo, será recebida a pretensão do recorrente. Significa isto que recorrentes que, no momento de interposição do recurso, se encontrem em situações exatamente iguais, poderão vir a ser destinatários de diferentes decisões por parte do Tribunal – decisões de recebimento ou de não recebimento – por motivos que dependem, não do seu próprio comportamento processual, mas das vicissitudes ulteriores do processo no tribunal comum. Assim, para além de potenciar a desresponsabili- zação dos recorrentes, a solução encontrada promove ainda um injusto tratamento diferenciado entre quem se dirija ao Tribunal Constitucional, gerando além do mais uma irremediável incerteza, ou insegurança, na interpretação e aplicação do pressuposto processual a que se refere o n.º 2 do artigo 70.º da LTC. Com efeito, se se abandona o princípio segundo o qual o momento relevante para a averiguação da perfeição dos pressupostos de admissibilidade dos recursos é o da sua interposição, ficar-se-á sem saber com segurança qual o critério que deve ser adotado para eleger tal momento. No presente caso, entendeu-se que esse deveria ser o correspondente à data em que o tribunal a quo proferiu o despacho de admissão do recurso. Mas porque não eleger qualquer outro momento? Porque não considerar ainda, por exemplo, o momento em que o relator no Tribunal Constitucional profere o despacho liminar, ordenando o prosseguimento do recurso ou o seu não recebimento? Nessas circunstâncias, se entretanto a arguição de nulidade vier a ser decidida pelo tribunal a quo, nenhuma razão haverá (à luz da doutrina seguida pela decisão tomada nos autos) para que se entenda que não ficaram esgotadas as instâncias de recurso comuns que do caso caibam. E isto, independentemente do momento em que o tribunal a quo tenha proferido o despacho de admissão, e ainda que o tenha feito na mesma altura em que foi interposto o recurso de constitucionalidade. 4. A razão pela qual a lei exige que, nos recursos interpostos de decisões dos tribunais que apliquem norma cuja inconstitucionalidade tenha sido arguida durante o processo, só sejam recorríveis para o Tribunal Constitucional «as decisões que não admitam recurso ordinário, por a lei o não prever ou por haverem já sido esgotados todos os que no caso caibam (…)» [artigo 70.º, n.º 2, da LTC] decorre de um princípio que, em qualquer modelo de justiça constitucional, parece ser de toda a pertinência. Tal princípio exprime uma ideia de subsidiariedade de intervenção da jurisdição constitucional, sempre que a ela pretendam aceder cidadãos que colocam pretensões não aceites pelos tribunais comuns. Em muitas outras jurisdições «constitucionais» (emprego o termo em sentido amplo) que não a nossa é seguido este princípio de subsidiariedade. Sempre que se trata de regular o acesso direto de particulares à jurisdição constitucional – e direto, porque posto à disposição do particular afetado não obstante decisão de não acolhimento da sua pretensão, já formada pelo juiz comum –, o direito comparado mostra que a solução maioritária vai no sentido de prever a intervenção subsidiária da jurisdição autónoma. Quer isto dizer que esta última só intervém depois de ter sido proferida, sobre a questão que lhe compete resolver, a última palavra que cabe às instâncias comuns. Assim é – por exemplo, tanto no Tribunal Europeu dos Direitos do Homem (TEDH) quanto nas ordens nacionais que

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