TRIBUNAL CONSTITUCIONAL Acórdãos 93.º Volume \ 2015

317 acórdão n.º 326/15 dominial. Porém, o objeto do presente recurso, talqualmente delimitado supra, não incide sobre o segmento normativo relativo à fixação de um prazo para o recurso à via judiciária. Daí que este elemento, sendo siste- maticamente relevante, não se afigure determinante no apuramento da validade da dimensão interpretativa cuja aplicação foi recusada pelo tribunal recorrido. Já a exigência de prova reportada a momento anterior a 1864, quando acoplada a uma presunção ilidível de dominialidade, pode ser mais problemática. 12.4. Dois pontos que afiguram decisivos para o juízo deste Tribunal. O primeiro respeita à explicação da relevância da data de 31 de dezembro de 1864 para efeitos da prova da propriedade privada. É que foi nesta data, como se disse já, que as margens de águas públicas foram objeto de declaração de dominialidade, através do decreto régio então publicado. Nada houve de arbitrário na escolha de tal data, que sendo aquela em que as margens de águas públicas passaram a estar excluídas do comércio jurídico privado, apresenta uma evidente credenciação racional – era mesmo a única data que faria sentido considerar para o efeito. O segundo recorda a já mencionada jurisprudência constitucional em matéria de distribuição do ónus da prova (cfr. o Acórdão n.º 596/09): ela exige que tal ónus seja alocado à parte que se encontra em melhores condições para antecipadamente poder lançar mão dos meios ou instrumentos materiais aptos à prova dos factos. Ora, não é contestável que o particular é, à partida, quem preenche melhor – ou, pelo menos, menos mal – esta exigência. Não se esconde que duas circunstâncias podem causar embaraço a estes pontos, que reputámos decisivos. A primeira lembra que os diplomas anteriores a 1971 não continham, apesar dos argumentos doutri- nais, uma presunção de dominialidade semelhante à que constava do artigo 8.º do Decreto-Lei n.º 468/71 e à que atualmente consta do artigo 15.º da Lei n.º 54/2005, nem qualquer ónus de intentar uma ação de reconhecimento da propriedade privada sobre os terrenos marginais. A segunda sublinha criticamente o facto de, impendendo, desde 1892, sobre a administração pública, o dever de pôr em marcha a classificação e demarcação das bacias hidrográficas, contendo uma série de infor- mações relevantes para a atual ação de reconhecimento, tais como a navegabilidade ou flutuabilidade das águas e dos troços, ou a largura das margens confinantes – e que permitiriam ter atempadamente “dissipado” eventuais “dúvidas” sobre a situação jurídica dos bens em causa –, tal dever jamais haver sido cumprido. Estes “embaraços” não se afiguram, porém, suficientes para pôr em causa a credenciação racional que já sublinhámos. Reconhecendo-se embora a existência de instrumentos jurídicos que permitiriam acautelar, pelo menos em parte, os interesses públicos que o regime jurídico vigente visa salvaguardar – nomeadamente, as servi- dões administrativas e outras restrições de utilidade pública –, não se duvida que a dominialidade pública é o que melhor garante aqueles. Não se olvide que as margens das águas públicas constituem condição de acesso a vias de comunicação – leia-se, a cursos de água navegáveis ou flutuáveis –, apresentando impacto evidente no exercício de liberdades fundamentais, como a liberdade de circulação, consagrada no artigo 44.º da CRP. Ainda que algumas dúvidas possam subsistir, elas não se afiguram suficientes para pôr em causa a con- formidade constitucional da norma do artigo 15.º, n. os 1 e 2, alínea a) , da Lei n.º 54/2005, na redação conferida pela Lei n.º 78/2013, quando interpretada no sentido da obrigatoriedade da prova a efetuar pelos autores se reportar a data anterior a 31 de dezembro de 1864, quando confrontada com o direito de acesso ao direito e o direito a uma tutela jurisdicional efetiva, consagrados no artigo 20.º, n.º 1, da Constituição.

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