TRIBUNAL CONSTITUCIONAL Acórdãos 93.º Volume \ 2015

314 TRIBUNAL CONSTITUCIONAL Ora, prevendo a dimensão normativa em análise uma automática transferência da propriedade para o domínio público, apenas com base na classificação de certos bens, pelo preenchimento das previsões legais para tanto, e sem pagamento de “justa indemnização”, tem de concluir-se que essa dimensão normativa viola o artigo 62.º, n.º 2, da Constituição da República. (…)» 10. A apreciação da questão de constitucionalidade sindicanda não pode fazer-se sem ter ainda em conta o direito de acesso ao direito e a uma tutela jurisdicional efetiva (cfr. artigo 20.º da CRP). É sabido que o princípio da tutela jurisdicional efetiva, enquanto subprincípio concretizador do princí- pio do Estado de direito, não tem apenas uma dimensão subjetiva – associada, entre outras dimensões, a um direito a um processo equitativo ( due process of law ), integrando também uma dimensão objetiva ou institu- cional, nos termos da qual os poderes públicos – mormente o legislador – têm o dever de «erigir instituições, definir procedimentos e emitir em geral normas que tornem possível o acesso ao tribunal e ao processo justo» (cfr. o Acórdão n.º 606/13, disponível em www.tribunalconstitucional.pt ) . Dispondo o legislador ordinário de ampla margem de conformação na acomodação dos interesses que avultam no processo, os eventuais ónus, cominações e preclusões só merecerão censura constitucional se forem insuscetíveis de credenciar-se racionalmente, nos termos de um juízo negativo de controlo (cfr., entre outros, os Acórdãos n. os 337/00, 428/03, 215/07, 451/08 e 556/08, disponíveis em www.tribunalconstitucional.pt ) . No Acórdão n.º 596/09 (disponível em www.tribunalconstitucional.pt ) o Tribunal Constitucional reco- nheceu que a repartição do ónus da prova não se afigurava matéria processual, «conquanto o momento de primacial efetividade da norma ocorra dentro do processo». Porém, instado a pronunciar-se sobre uma norma que dispunha que, em caso de acidente rodoviário em autoestradas, em razão do atravessamento de animais, o ónus da prova do cumprimento das obrigações de segurança pertenceria à concessionária, o Tri- bunal não se eximiu a apreciar a validade de tal normativo à luz do princípio do acesso ao direito, tendo, em aplicação das coordenadas supra enunciadas, chegado à seguinte conclusão (o itálico é nosso): «(…) Não se vislumbra que seja desprovido de fundamento material bastante a opção do legislador cometer o ónus em causa à parte que se encontra em melhores condições para antecipadamente poder lançar mão dos meios ou instru- mentos materiais aptos à prova dos factos, quer pelo domínio material que tem sobre as autoestradas e os meios de equipamento e infraestruturas adequadas a conferir maior segurança na circulação rodoviária, quer pela sua capa- cidade económica para se socorrer desses meios. (…).» Existem hipóteses em que da conformação legislativa do direito de acesso ao direito advém uma vio- lação do direito de propriedade privada. Nos Acórdãos n. os 516/94, 451/95 e 128/95 (disponíveis em www.tribunalconstitucional.pt ) foi analisada uma norma que estabelecia a impenhorabilidade, por qualquer tribunal, de bens já penhorados pelas repartições de finanças. Assumindo a «clara natureza processual» da matéria da impenhorabilidade dos bens, o Tribunal Constitucional reconheceu o impacto de um tal regime jurídico no direito de propriedade privada dos credores não estaduais (o itálico é nosso): «(…) Simplesmente, a regra do artigo 300.º, n.º 1, 1.ª parte, do CPT, tutela o interesse público de tal modo que pode acarretar, de um ponto de vista prático, a paralisia ou suspensão da realização prática dos créditos de terceiros durante longos períodos (…). Em tais casos (…) o direito patrimonial do credor exequente em execução não fiscal vê-se anulado na sua consis- tência prática, ficando à mercê da evolução da situação patrimonial do devedor no futuro, o qual pode vir a ser

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