TRIBUNAL CONSTITUCIONAL Acórdãos 93.º Volume \ 2015

312 TRIBUNAL CONSTITUCIONAL Dois exemplos bastarão, crê-se, para ilustrar a diversa natureza dos atos legislativos com efeitos sobre o direito de propriedade privada. No Acórdão n.º 480/14 (disponível em www.tribunalconstitucional.pt ) , ao analisar uma norma que excluía a indemnização aquando da constituição de servidões militares, o Tribunal esclareceu (o itálico é nosso): «(…) Se se entender que, por força desse ato, ao particular é imposto um sacrifício grave e especial que merece repa- ração, de acordo com as exigências decorrentes do princípio da igualdade de todos perante os encargos públicos, a aplicação ao caso do disposto no n.º 2 do artigo 62.º da CRP encontra-se valorativamente justificada. Contudo, e uma vez que a afetação legal do direito de propriedade pode traduzir-se em outra coisa que não a imposição ao particu- lar de um sacrifício grave e especial – pode traduzir-se antes na mera conformação legal da propriedade, através da delimitação genérica do seu conteúdo e limites – importa antes do mais qualificar a lei que impõe a servidão, de modo a que se saiba se dos seus efeitos decorre a ablação indemnizável do direito ou apenas a estrita conformação legal do mesmo. Se se concluir por esta última hipótese, ao caso será aplicável o n.º 1 do artigo 62.º da CRP, e não o disposto no seu n.º 2. (…)» Ao aplicar o critério eleito no caso concreto, o Tribunal apurou que «não se estaria, de todo em todo, perante a subtração de uma concreta posição jurídica, garantida pela CRP, para a realização de um fim de interesse público determinado», sustentando que a instituição das servidões militares consubstanciaria ainda uma limitação ao jus aedificandi meramente conformadora ou reguladora do direito de propriedade, ainda integrada no mandato que a Constituição endereça ao legislador ordinário nos termos do n.º 1 do artigo 62.º da CRP. No Acórdão n.º 491/02 (disponível em www.tribunalconstitucional.pt ) , escrutinando a validade consti- tucional do artigo 490.º, n.º 3, do Código das Sociedades Comerciais, que consagrava o instituto da venda forçada de partes ou participações sociais detidas por sócios minoritários, o Tribunal Constitucional susten- tou o seguinte entendimento: «(…) Poderá ainda dizer-se, relativamente às dimensões do artigo 62.º da Constituição da República que avultam relativamente à definição desta espécie de elementos “conformativos” de cada tipo de “propriedade” que, dentre as várias dimensões nele discerníveis, a que sobressai como atingida não é (ou não será tanto) a “garantístico- -subjectiva” (expressa, máxima e nuclearmente, no direito à não desapropriação), mas antes, a de “garantia de instituto” – dimensão, esta outra, que redunda na imposição, dirigida ao legislador e a todos os poderes constituí- dos, de assegurarem a existência da “propriedade privada”, nas suas múltiplas manifestações, enquanto elemento necessariamente integrante e determinante da ordem jurídica infraconstitucional. (…)» 9. Naturalmente que, pairando sobre a propriedade privada a “hipoteca social” imposta pelo sistema de valores constitucionais, sobressaem igualmente, na jurisprudência constitucional, os conflitos com o regime do domínio público, até pela importância que esta matéria detém no quadro da organização económica do Estado. Neste plano destaca-se, desde logo, o Acórdão n.º 659/99 (disponível em www.tribunalconstitucional.pt ) , em que estava em causa uma norma que previa que os titulares de passagens de nível sobre bens dominiais deveriam comprovar a constituição da servidão perante o Caminho de Ferro e mediante título suficiente, considerando-se extintas as servidões relativamente às quais tal prova não lograsse realizar-se (cfr. o artigo 26.º, n. os 3 e 4, do Decreto-Lei n.º 156/81, de 9 de junho). Na sua análise, o Tribunal começou por esclarecer que

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