TRIBUNAL CONSTITUCIONAL Acórdãos 93.º Volume \ 2015

310 TRIBUNAL CONSTITUCIONAL a preocupação fundamental deste regime, ou das margens de águas interiores não sujeitas à jurisdição marítima, pois é nestas últimas que incidem com maior acuidade os valores da segurança de pessoas e bens e da proteção da natureza e do ambiente, subjacentes à tutela da dominialidade: nestes casos, mostra-se adequada a dispensa de prova da propriedade anterior a 1864 ou 1868. (…)» 6. A problemática do reconhecimento da propriedade privada sobre margens de águas públicas é comum a outros sistemas jurídicos de base romanística. No ordenamento jurídico espanhol, por exemplo, destaca-se a aprovação da Ley de Costas ( Ley 22/1988, de 28 de julio ), que, em consonância com o disposto no artigo 132.º, n.º 2, da Constituição Espanhola, forçou a inclusão da zona marítimo-terrestre e das praias no domínio público estadual, visando travar a utili- zação intensiva e abusiva da faixa litoral. Naturalmente que essa inclusão gerou problemas de conformidade com outro preceito da Constituição Espanhola – o artigo 33.º, n.º 3, que veda a expropriação sem indemni- zação – mas a estes deram resposta as várias disposições transitórias previstas na Ley de Costas, (algumas delas seguidas de perto pelo legislador português). Essas disposições consistiram, por um lado, em transformar aqueles que fossem titulares de um direito de propriedade sobre bens dominiais, reconhecido por decisão judicial transitada, em concessionários de uso privativo do domínio público, por um período de trinta anos, prorrogáveis por outros trinta, funcionando aquela conversão como uma compensação para efeitos do artigo 33.º, n.º 3, da Constituição Espanhola. Por outro lado, permitiu-se que os terrenos dotados de aproveitamento urbanístico consolidado em conformi- dade com a legislação em vigor mantivessem tal aproveitamento, desde que respeitadas certas regras. Em todo o caso, cumpre dizer que, mesmo após a declaração de dominialidade introduzida pela Consti- tuição espanhola, os tribunais continuaram a admitir a propriedade privada sobre enclaves situados na zona marítimo-costeira, sujeitando-a, no entanto, a um regime de prova bastante duro, que passava por exigir dos particulares a prova da titularidade do direito de propriedade em momento anterior à Ley de Puertos, de 1880 (cfr., sobre o tema, Ana Raquel Moniz, ob. cit. 2005, pp. 184-187, e ainda, na doutrina espanhola, M. Rodriguez González, “Reconocimiento de titularidades privadas en el dominio público maritimo-terrestre. Alcance y limites”, in Revista de Administración Pública, n.º 146, mayo-agosto, 1998, pp. 225-248, e Jose Luis Meilán Gil, “El dominio público natural y la legislación de costas”, in Revista de Administración Pública, n.º 139, enero-abril, 1996, pp. 7-47). 7. A solução portuguesa é, atento este enquadramento, um tanto ou quanto equívoca. Desde logo porque, ao contrário do que sucede no ordenamento constitucional espanhol, a CRP optou por não declarar a dominialidade de todas as margens de águas públicas, costeiras ou não costeiras – aumen- tando, por conseguinte, a margem de conformação do legislador ordinário nesta matéria. Depois, porque o legislador português, ao contrário do seu congénere espanhol, optou por admitir expressamente a existência de margens de propriedade pública e de margens de propriedade privada, condi- cionando a segunda a um regime de prova muito exigente, sob pena de tais margens se considerarem públi- cas e, por conseguinte, dominiais (cfr. o artigo 5.º da Lei n.º 54/2005). Dito de outro modo, porventura mais consonante como o pensamento legislativo, tolera-se o direito de propriedade privada sobre margens de águas públicas, muito embora tendo presente que, na falta de comprovação daquele direito, o relevo dos terrenos para o interesse público alavanca necessariamente a sua dominialidade, ou seja, a assunção da con- veniência de uma afetação e destino públicos, e, logo, a recondução à propriedade de entes públicos. Este regime jurídico persegue, como se perceciona, um equilíbrio entre, por um lado, o princípio do respeito pelos direitos adquiridos dos particulares, e, por outro, a conveniência de que as margens de águas públicas, por condicionarem a utilização dessas águas, integrem o domínio público, ou seja, estejam sujeitas um regime especial de direito público caracterizado por um reforço das medidas de proteção das coisas que o integram.

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