TRIBUNAL CONSTITUCIONAL Acórdãos 93.º Volume \ 2015

308 TRIBUNAL CONSTITUCIONAL respetivas margens, visto que o regime probatório enunciado no artigo 15.º da Lei n.º 54/2005 só vale para as margens de águas públicas navegáveis ou flutuáveis. Embora a atual lei não defina expressamente estes conceitos, aceita-se que uma corrente navegável é aquela que for «acomodada à navegação com fins comerciais, de barcos de qualquer forma, construção e dimensões» e que uma corrente flutuável é «aquela por onde estiver efetivamente em costume fazer derivar objetos flutuantes, com fins comerciais» (a definição consta do artigo 8.º do Decreto n.º 5787-IIII, de 10 de maio de 1919, revogado pelo artigo 29.º da Lei n.º 54/2005, mas é utilizada no Guia de Apoio sobre a titularidade dos recursos hídricos, elaborado pelo Departamento do Litoral e Proteção Costeira, e disponível em http://www.apambiente.pt/ ). A propósito destes conceitos, é legítimo questionar – porque particularmente relevante para o presente caso – qual o momento em que os cursos de água navegáveis e flutuáveis ingressam no domínio público. De acordo com a doutrina nacional, esse momento pode ser um ou vários de entre os seguintes: i) vigência de um preceito legal que inclua toda uma classe de coisas na categoria do domínio público (classificação); ii) declaração de que certa e determinada coisa pertence a essa classe; iii) afetação dessa coisa à utilidade pública (cfr. Marcello Caetano, ob. cit. , p. 921, e, em sentido próximo, José Pedro Fernandes, ob. cit. , p. 184). Não há na doutrina consenso em torno desta matéria (cfr. Diogo Freitas do Amaral, “Classificação”, in Dicionário Jurídico da Administração Pública, p. 440, e Marcello Caetano, ob. cit. , p. 922). No entanto, a posição dominante vai no sentido de que as águas públicas navegáveis ou flutuáveis, ingressando no domínio público hídrico a partir do momento em que se dá a respetiva qualificação legal, reclamam, por vezes, um ato de classificação, ato esse que terá natureza meramente declarativa (ou não constitutiva) – destinando-se tão somente a “dissipar as dúvidas” existentes acerca do carácter dominial de certa coisa (cfr. Diogo Freitas do Amaral, ob. cit. , p. 441, e José Pedro Fernandes, ob. cit. , p. 184). 5.4. A compreensão do exato sentido e alcance do artigo 15.º da Lei n.º 54/2005, supra transcrito, reclama o recurso ao elemento histórico, retirado da exposição de motivos anexa à Proposta de Lei n.º 19/X. Aí se esclarece que, em matéria de reconhecimento de propriedade privada, a intenção legislativa foi a de impedir que a proteção dos direitos privados pudesse gerar a «instabilidade permanente da base dominial», estabelecendo-se, por conseguinte, «um limite temporal razoável, em 2014, para a reivindicação de tais direi- tos», tendo em conta que a possibilidade de reconhecimento constava já do Decreto-Lei n.º 468/71. «(…) O preceito sofreria as modificações introduzidas pela Lei n.º 78/2013, de 21 de novembro, que alargou o prazo para a propositura da ação judicial de reconhecimento da propriedade privada, fixando-o em 1 de julho de 2014. Na exposição de motivos da Proposta de Lei n.º 349/XII/2.ª, elencam-se as razões que estiveram subjacentes a tal alargamento, entre elas as dificuldades sentidas pelos particulares nas ações atinentes ao reconhecimento do direito de propriedade privada: (…) Uma interpretação a contrario da presente norma resulta que quem não intentar a supra mencionada ação judicial dentro do prazo (até mesmo por simples desconhecimento) ou quem a intentar mas não lograr fazer esta verdadeira probatio diabolica , verá perdida a sua propriedade a favor do Estado, sem que haja lugar a qualquer tipo de compensação. Impõe-se, assim, a necessária ponderação sobre uma alteração legislativa, permitindo atenuar os efeitos nega- tivos de um processo moroso e complexo de prova da titularidade, devendo o legislador desencadear todos os mecanismos que confiram maior segurança jurídica à confirmação do título de propriedade, seja ao privado, seja ao próprio Estado, enquanto pessoa de bem. (…)»

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