TRIBUNAL CONSTITUCIONAL Acórdãos 93.º Volume \ 2015

306 TRIBUNAL CONSTITUCIONAL «(…) Já quanto ao reconhecimento da propriedade privada sobre parcelas de leitos ou margens públicas se tocou num aspeto mais relevante, que, sem envolver modificação profunda do direito vigente, beneficia contudo num ponto importante, aliás, com inteira justiça, os proprietários particulares: quando se mostre terem ficado destruídos por causas naturais os documentos anteriores a 1864 ou a 1868 existentes em arquivos ou registos públicos, presumir- -se-ão particulares os terrenos em que relação aos quais se prove que, antes de 1 de dezembro de 1892, eram objeto de propriedade ou posse privadas. Aliviando deste modo o peso do ónus da prova imposto aos interessados, vai- -se ao encontro da opinião que se tem generalizado no seio da Comissão do Domínio Público Marítimo, dada a grande dificuldade, em certos casos, de encontrar documentos que inequivocamente fundamentem as pretensões formuladas à Administração Dominial. Não pode, no entanto, esquecer-se que esta orientação, baseada em princípios gerais firmemente assentes na nossa ordem jurídica – o princípio da não retroatividade das leis e o princípio do respeito pelos direitos adquiridos – não deverá prejudicar, na prática, os interesses gerais da coletividade, em razão dos quais, precisamente, se foi criando e se mantém na titularidade do Estado o domínio público hídrico. (…)» Em consonância, dispunha-se, no artigo 8.º daquele diploma legal (o itálico é nosso): «(…) Artigo 8.º (Reconhecimento da propriedade privada sobre parcelas de leitos ou margens públicos) 1 – As pessoas que pretendam obter o reconhecimento da sua propriedade sobre parcelas de leitos ou margens das águas do mar ou de quaisquer águas navegáveis ou flutuáveis devem provar documentalmente que tais terrenos eram, por título legítimo, objeto de propriedade particular, ou comum antes de 31 de dezembro de 1864 ou, se se tratar de arribas alcantiladas, antes de 22 de março de 1862. 2 – Na falta de documentos suscetíveis de comprovar a propriedade dos terrenos nos termos do n.º 1 deste artigo, presumir-se-ão particulares, sem prejuízo dos direitos de terceiros, os terrenos em relação aos quais se prove que, naquelas datas, estavam na posse em nome próprio de particulares ou na fruição conjunta de indivíduos com- preendidos em certa circunscrição administrativa. 3 – Quando se mostre que os documentos particulares anteriores a 1864 ou a 1868, conforme os casos, se tornaram ilegíveis ou foram destruídos por incêndio ou facto semelhante ocorrido na conservatória ou registo competente, presumir-se-ão particulares, sem prejuízo dos direitos de terceiros, os terrenos em relação aos quais se prove que, antes de 1 de dezembro de 1892, eram objeto de propriedade ou posse privadas. (…)» Como se vê, o legislador nacional admitiu a persistência dos direitos de propriedade privada sobre parcelas de leitos ou margens de águas públicas, isto é, águas pertencentes ao domínio público hídrico, mas estabeleceu, na senda do que vinha propondo a Comissão do Domínio Público Marítimo, uma presunção ilidível de dominialidade. Por outras palavras, fez impender sobre o particular o ónus de provar a titulari- dade da propriedade sobre tais parcelas de terreno e de, assim, as subtrair ao domínio público hídrico a que, de outro modo, pertenceriam, por força do disposto no artigo 5.º do Decreto-Lei n.º 468/71 (cfr., neste sentido, Diogo Freitas do Amaral/José Pedro Fernandes, ob. cit. , p. 124). 5.3. A Lei n.º 16/2003, de 4 de junho, que reviu, atualizou e unificou o regime jurídico dos terrenos do domínio público hídrico, não trouxe, quanto a esta matéria, quaisquer alterações de relevo. Seguiu-se a Lei n.º 54/2005, de 15 de novembro, onde se destacam, desde logo, os artigos 2.º a 5.º, que dispõem sobre

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