TRIBUNAL CONSTITUCIONAL Acórdãos 93.º Volume \ 2015

305 acórdão n.º 326/15 no domínio público dos terrenos marginais que já pertenciam ao domínio privado do Estado. Por outras palavras, «a lei não teve manifestamente em vista reduzir de um golpe à propriedade pública todos os terre- nos das praias, incluindo os que estivessem na propriedade privada dos particulares» [cfr. Afonso Rodrigues Queiró, “As praias e o domínio público (Alguns problemas controvertidos)”, in Revista de Legislação e de Jurisprudência, n. os 3258, 3259 e 3260, 1964, p. 337]. Os diplomas que se seguiram, concretamente, o Decreto n.º 8 de 5 de dezembro de 1982, o Regula- mento dos Serviços Hidráulicos, de 19 de dezembro de 1892, o Decreto n.º 5.787 – III, de 10 de maio de 1919, vulgarmente conhecido como “Lei das Águas”, e o Decreto-Lei n.º 12445, de 29 de setembro de 1926, não continham uma disposição semelhante à que viria a constar do artigo 8.º do Decreto-Lei n.º 468/71, de 5 de novembro, e do artigo 15.º da Lei n.º 54/2005, de 15 de novembro, ou seja, não tratavam especifica- mente o tema do reconhecimento de propriedade privada sobre margens de águas públicas. Na verdade, o artigo 7.º do Decreto n.º 8 de 1892 dispunha que as direções e circunscrições procede- riam à classificação e demarcação de cada uma das bacias hidrográficas, procedimento que permitiria saber «quais os lagos, lagoas, valas, canais, esteiros e correntes de água navegáveis e flutuáveis, e como tal públicos», e ainda «qual a largura que deverão ter as faixas de terreno destinadas a constituir as margens dessas corren- tes, canais, valas, lagos ou lagoas». Concluída a demarcação e classificação de qualquer bacia hidrográfica seriam os interessados chamados a examinar a referida classificação e a apresentar as suas reclamações, as quais, depois de apreciadas, permitiriam a afixação, «nos lugares mais públicos da região hidráulica», de um resumo dos atos praticados (cfr. os artigos 1.º a 7.º do Regulamento dos Serviços Hidráulicos). A par destas classificações, previam aqueles diplomas que houvesse lugar a «classificações parciais», a pedido dos interes- sados ou dependentes de um juízo de oportunidade por parte do Governo, que implicavam a especificação, na parte respetiva às águas navegáveis ou flutuáveis, das superfícies marginais pertencentes ao Estado, das pertencentes aos particulares e da área aproximada de cada uma (cfr. artigo 8.º do Regulamento dos Serviços Hidráulicos). A presunção de dominialidade das margens de águas públicas ficaria definitivamente esclarecida com a aprovação do Decreto-Lei n.º 468/71. Este, que definia margem como sendo «a faixa de terreno contígua ou sobranceira à linha que limita o leito das águas» (cfr. artigo 3.º, n.º 1), determinava, no artigo 5.º, o seguinte: «Consideram-se do domínio público do Estado os leitos e as margens das águas do mar e de quaisquer águas navegáveis ou flutuáveis, sempre que tais leitos ou margens lhe pertençam, e bem assim os leitos e margens das águas não navegáveis nem flutuáveis que atravessem terrenos públicos do Estado.» A doutrina entendia que este normativo condicionava a recondução das margens ao domínio público à verificação simultânea de dois requisitos – pertença ao Estado e conexão com águas públicas – estando estas águas elencadas, à época, no artigo 1.º da “Lei das Águas” (cfr., neste sentido, Diogo Freitas do Amaral/José Pedro Fernandes, ob. cit. , pp. 101 e segs.; a conexão com águas públicas é, com mais rigor, designada por Ana Raquel Moniz « conexão funcional» – O Domínio Público. O Critério e o Regime Jurídico da Dominialidade, Coimbra, Almedina, 2005, p.191). Esta dominialidade seria reiterada mais tarde, no artigo 4.º, alíneas a) e b) , do Decreto-Lei n.º 477/80, de 15 de outubro, diploma que criou o inventário geral do património do Estado, no qual se estatui que integram o domínio público do Estado «as águas territoriais com os seus leitos, as águas marítimas interiores com os seus leitos e margens e a plataforma continental», e ainda «os lagos, lagoas e cursos de água navegáveis com os respetivos leitos e margens e, bem assim, os que por lei forem reconhecidos como aproveitáveis para produção de energia elétrica ou para irrigação». Em matéria de reconhecimento da propriedade privada sobre estes terrenos, explicou-se no preâmbulo do Decreto-Lei n.º 468/71 o seguinte (o itálico é nosso):

RkJQdWJsaXNoZXIy Mzk2NjU=