TRIBUNAL CONSTITUCIONAL Acórdãos 93.º Volume \ 2015

300 TRIBUNAL CONSTITUCIONAL resolver as questões de direito que envolvam a qualificação da natureza dos bens (sobre esta matéria, cfr., com interesse, o Acórdão da Relação do Porto de 15.07.1991). (…) Em primeiro lugar, cabe desde já fazer referência ao que tem sido decidido pelo Tribunal Constitucional sobre esta matéria. Importa destacar o Acórdão do Tribunal Constitucional n.º 353/04, em que se sindicava o que havia sido decidido no Acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães, de 14 de maio de 2003, no qual, para se poder concluir que o terreno em questão não integrava o domínio público hídrico do Estado, teve de se afirmar que “a interpretação das disposições conjugadas das normas dos artigos 3.º, n.º 2 e 5, ambos do Decreto-Lei n.º 468/71, feita pelo Sr. Juiz a quo, no sentido de que, por via dessas disposições legais, a dominialidade do terreno em causa passou automaticamente para o Estado, é inconstitucional, por violar o disposto nos n. os 1 e 2 do artigo 62.º da Constituição da República Portuguesa”. Por outro lado, da análise do artigo 15.º, n.º 1, do citado diploma legal, constata-se uma presunção juris tan- tum de dominialidade de tais terrenos, impondo aos interessados o ónus da prova que os mesmos lhe pertencem. Estamos perante uma presunção ilidível e, assim sendo, podem os interessados fazê-lo através da prova de justo título ou título legítimo de aquisição, entre outros, os expressamente indicados no artigo 1316.º do Código Civil: contrato, sucessão por morte, usucapião, ocupação e acessão. Trata-se, porém, de uma enumeração exemplificativa, como resulta da utilização, na parte final do artigo, da fórmula “e demais modos previstos na lei” (…). O n.º 1 do artigo 15.º exige assim uma prova documental relativamente a tais terrenos, sendo que estabelece a data anterior a 31 de dezembro de 1864, ou seja, os particulares têm de provar que tais terrenos eram objeto de propriedade privada, através de título legítimo, antes dessa data. O n.º 2 do artigo 15.º, ao contrário do que acontece com o número 1, não exige a prova documental, o que significa que, em princípio, são aceites todos os meios de prova admitidos em direito (prova documental, teste- munhal, pericial, por inspeção judicial ou através de presunções), salvo a prova por confissão, visto a lei prescrever expressamente a sua inadmissibilidade “se recair sobre factos relativos a direitos indisponíveis” [art. 354.º, alínea b) do Código Civil], e o domínio público é, por definição, indisponível. Relativamente ao n.º 3 do citado preceito legal, onde se afasta o regime da prova estabelecidos nas situações anteriores, reporta-se tal preceito às situações de desafetação (facto jurídico pelo qual uma coisa é distraída do regime da dominialidade a que se encontra sujeita, passando à categoria de coisa do domínio privado (…) e aos bens pertencentes ao domínio privado do Estado, sobre os quais é possível a aquisição por usucapião. É nosso entendimento que a exigência de prova documental que remonte a data anterior a 31 de dezembro de 1864 (cerca de 150 anos atrás) se trata de uma prova diabólica, pois os proprietários vêem-se a braços com uma exigência muito difícil, ou mesmo impossível de cumprir, correndo sérios riscos de perderem as suas propriedades a favor do Estado. (…) Posto isto, cumpre desde já referir que é nosso entendimento que, tanto a obrigatoriedade de prova documental que remonte a data anterior a 31.12.1864, que consta do n.º 1 do artigo 15.º da Lei n.º 54/2005, como a obriga- toriedade de prova que remonte a data anterior a 31.12.1864, que consta da alínea a) , do n.º 2 do mesmo preceito legal, é manifestamente inconstitucional, por violação do direito fundamental à propriedade, que consta do artigo 62.º da Constituição da República Portuguesa. Por este motivo, e independentemente da análise do caso concreto que passaremos a efetuar infra, desde já consignamos a nossa recusa de aplicabilidade do art.15.º, n.º 1 e 2, alínea a) do referido diploma legal, quando interpretado no sentido da obrigatoriedade da prova a efetuar se reportar a data anterior a 31 de dezembro de 1864. Vertendo as considerações teóricas tecidas sobre o caso concreto, constata-se ter resultado provado que o autor adquiriu os prédios melhor identificados nos pontos 1), 3) e 6) dos factos provados, por partilha extrajudicial da herança do seu pai, A., em fevereiro de 1978. Tais prédios confrontam a norte com o Rio Lima e pelas áreas que os mesmos possuem, é possível concluir que se ocupam os trinta metros a que o artigo 11.º, n.º 3 da Lei n.º 54/2005 faz referência: as margens do rio.

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