TRIBUNAL CONSTITUCIONAL Acórdãos 93.º Volume \ 2015
299 acórdão n.º 326/15 Acordam na 1.ª Secção do Tribunal Constitucional: I – Relatório 1. O Representante do Ministério Público junto do Tribunal Judicial da Comarca de Ponte da Barca recorre para o Tribunal Constitucional, ao abrigo da alínea a) do n.º 1 do artigo 70.º da Lei n.º 28/82, de 15 de novembro, na sua atual redação (doravante, LTC), da decisão proferida por aquele tribunal, em 7 de maio de 2014, que recusou a aplicação, com fundamento em inconstitucionalidade material, da norma constante do artigo 15.º, n. os 1 e 2, alínea a) , da Lei n.º 54/2005, de 15 de novembro, “quando interpretada no sentido da obrigatoriedade da prova a efetuar pelos autores se reportar a data anterior a 31 de dezembro de 1864”. 2. O recorrido intentou ação declarativa de simples apreciação, sob a forma de processo sumário, con- tra o Estado Português, representado pelo Ministério Público, peticionando que fosse declarado legítimo proprietário dos três prédios rústicos identificados no artigo 1.º da petição inicial, por haver adquirido o respetivo direito de propriedade por meio de usucapião. Sobre esta pretensão, ajuizou o Tribunal Judicial da Comarca de Ponte da Barca o seguinte: «(…) Veio o autor peticionar ao Tribunal a declaração de que é proprietário dos prédios que identificou na petição inicial e fá-lo ao abrigo da Lei n.º 54/2005, de 15 de novembro, com a finalidade de obstar à presunção de domi- nialidade pública dos referidos prédios, por confrontarem com a margem do rio Lima. Alega o réu que tem a seu favor uma presunção iuris tantum da titularidade do domínio público hídrico sobre as margens do rio Lima, que decorre do disposto nos arts. 15.º da Lei n.º 54/2005, de 15 de novembro e que sobre tais prédios não é possível a aquisição por usucapião. Vejamos. De acordo com o artigo 84.º, n.º 1, alínea a) da Constituição da República Portuguesa, pertencem ao domínio público as águas territoriais com o seu leito e os fundos marinhos contíguos, bem como os lagos, lagoas e cursos de água navegáveis e flutuáveis, com os respetivos leitos. A Lei n.º 54/2005 veio delimitar quais os recursos hídricos que integram o domínio público e aqueles que, ao invés, pertencem a particulares. Assim, nos termos do artigo 2.º, o domínio público hídrico compreende o domínio público marítimo, o domí- nio público lacustre e fluvial, e ainda o domínio público das restantes águas. O domínio público marítimo, que inclui as águas costeiras e territoriais, as águas interiores sujeitas à influência das marés, bem como os respetivos leitos, fundos marinhos e margens, pertence sempre ao Estado, nos termos do disposto nos arts. 3.º e 4.º. Já o domínio público lacustre e fluvial compreende cursos de água navegáveis ou flu- tuáveis, com os respetivos leitos, e ainda as margens pertencentes a entes públicos [artigo 5.º, alínea a) ] – sublinhado nosso. E, de acordo com o disposto no artigo 11.º, n.º 1, entende-se por margem uma faixa de terreno contígua ou sobranceira à linha que delimita o leito das águas, sendo que, de acordo com o n.º 3 do citado preceito legal, a margem das restantes águas navegáveis ou flutuáveis tem a largura de trinta metros. O regime atualmente consagrado no artigo 15.º, n.º 1, da Lei n.º 54/2005 estabelece que o reconhecimento da propriedade privada sobre parcelas de leitos e margens públicos passa a ser efetuado pelos Tribunais e não pela Administração Pública. Estabelecendo, ainda, um prazo para o exercício do direito de ação judicial para reconhe- cimento da propriedade privada (1 de julho de 2014), sob pena de caducidade do referido direito. Na verdade, são os tribunais e não a Administração a resolver, de acordo com o direito, os conflitos concretos da composição de interesses quanto à natureza pública ou privada das coisas. Assim, sempre que os particulares pre- tenderem ver reconhecida a propriedade privada sobre parcelas de leitos e margens públicos, caberá aos tribunais
Made with FlippingBook
RkJQdWJsaXNoZXIy Mzk2NjU=