TRIBUNAL CONSTITUCIONAL Acórdãos 93.º Volume \ 2015
298 TRIBUNAL CONSTITUCIONAL que, ao tempo dos autos, terminaria em 1 de julho de 2014, por aplicação da Lei n.º 78/2013 – a que acresce a necessidade de oferecer prova documental de tal direito, ou prova da posse privada dos bens em causa, em momento anterior a 31 de dezembro de 1864. IV – O regime jurídico assim delineado justifica-se em razão da necessidade de dar estabilidade à base domi- nial, visto estarem em causa coisas que o legislador, em cumprimento do mandato constitucional inscrito no artigo 84.º, n.º 1, alínea f ) , considera proporcionarem utilidade pública merecedora de um estatuto e de uma proteção especiais; vale isto por dizer que as exigências vertidas nas normas em crise – que só valem para as margens de águas navegáveis ou flutuáveis – encontram o seu fundamento último na proteção de interesses constitucionais a que esse tipo de águas se acha indissociavelmente ligado, sendo a fixação de um prazo máximo para a propositura da ação de reconhecimento, no entender deste Tribunal, um elemento indispensável à estabilização da base dominial; porém, o objeto do presente recurso não incide sobre o segmento normativo relativo à fixação de um prazo para o recurso à via judiciária, mas sobre a exigência de prova reportada a momento anterior a 1864, quando acoplada a uma presunção ilidível de dominialidade. V – Dois pontos se afiguram decisivos para o juízo deste Tribunal: o primeiro respeita à explicação da rele- vância da data de 31 de dezembro de 1864 para efeitos da prova da propriedade privada, data em que as margens de águas públicas foram objeto de declaração de dominialidade, através do decreto régio então publicado, pelo que nada houve de arbitrário na escolha de tal data, que sendo aquela em que as margens de águas públicas passaram a estar excluídas do comércio jurídico privado, apresenta uma evidente credenciação racional – era mesmo a única data que faria sentido considerar para o efeito; o segundo recorda a jurisprudência constitucional em matéria de distribuição do ónus da prova: ela exige que tal ónus seja alocado à parte que se encontra em melhores condições para antecipadamente poder lançar mão dos meios ou instrumentos materiais aptos à prova dos factos, não sendo contestável que o particular é, à partida, quem preenche melhor – ou, pelo menos, menos mal – esta exigência. VI – Duas circunstâncias podem causar embaraço a estes pontos, que reputámos decisivos: a primeira lembra que os diplomas anteriores a 1971 não continham, apesar dos argumentos doutrinais, uma presunção de dominialidade semelhante à que constava do artigo 8.º do Decreto-Lei n.º 468/71 e à que atualmente consta do artigo 15.º da Lei n.º 54/2005, nem qualquer ónus de intentar uma ação de reconhecimento da propriedade privada sobre os terrenos marginais; a segunda sublinha criticamente o facto de, impendendo, desde 1892, sobre a administração pública, o dever de pôr em marcha a clas- sificação e demarcação das bacias hidrográficas, contendo uma série de informações relevantes para a atual ação de reconhecimento, tais como a navegabilidade ou flutuabilidade das águas e dos troços, ou a largura das margens confinantes – e que permitiriam ter atempadamente “dissipado” eventuais “dúvidas” sobre a situação jurídica dos bens em causa –, tal dever jamais haver sido cumprido; estes “embaraços” não se afiguram suficientes para pôr em causa a credenciação racional. VII – Reconhecendo-se embora a existência de instrumentos jurídicos que permitiriam acautelar, pelo menos em parte, os interesses públicos que o regime jurídico vigente visa salvaguardar – nomeada- mente, as servidões administrativas e outras restrições de utilidade pública –, não se duvida que a dominialidade pública é o que melhor garante aqueles; com efeito, as margens das águas públicas constituem condição de acesso a vias de comunicação, apresentando impacto evidente no exercício de liberdades fundamentais, como a liberdade de circulação, consagrada no artigo 44.º da Constituição; por outro lado, ainda que algumas dúvidas possam subsistir, elas não se afiguram suficientes para pôr em causa a conformidade constitucional da norma sub iudicio quando confrontada com o direito de acesso ao direito e o direito a uma tutela jurisdicional efetiva.
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