TRIBUNAL CONSTITUCIONAL Acórdãos 93.º Volume \ 2015
29 acórdão n.º 377/15 maneira tão precisa quanto possível, de modo a que não restem dúvidas quanto aos valores protegidos e quanto à clara definição dos elementos de infração – se poderá saber o que é criminalmente censurável, e, portanto, pas- sível do mais intenso juízo de desvalor que o Estado, através da lei, pode aplicar aos membros da comunidade. Sem esta cognoscibilidade necessária do que é criminalmente relevante (e das razões por que o é) não pode em última análise garantir-se a lealdade dos membros da comunidade ao direito, entendida nos termos em que o Tribunal a descreveu no Acórdão n.º 83/95, ponto 6: «[o] direito penal de um Estado de direito tem de edificar- -se sobre o homem como ser pessoal e livre para se decidir pelo direito ou contra o direito – de um homem, por isso mesmo, responsável pelos próprios atos e responsável para estar com os outros». 10.3. Tanto o princípio da necessidade de pena (artigo 18.º, n.º 2, da CRP) quanto o princípio da lega- lidade, sob a veste de lex certa (artigo 29.º, n.º 1), integram valores nucleares do Estado de direito na exata medida em que ambos exprimem o valor da liberdade individual. E ambos pressupõem que, em casos de dúvida, prevaleça essa mesma liberdade: in dubio pro libertate . Por isso mesmo, no momento em que define o alvo da sua censura, o legislador que escolhe fixar novas criminalizações – com o intuito de assim prosseguir uma certa política criminal – também não deve construir as normas penais de tal modo que, através das suas formulações, possa o cometimento do crime presumir-se (Acórdãos n. os 270/87, 426/91, 135/92, 252/92, 246/96, 604/97 e 609/99). A tal se opõe o n.º 2 do artigo 32.º da CRP que consagra o princípio da presunção de inocência, princípio esse que – embora protraído nas regras processuais de proibição de autoincriminação do arguido e de inversão do ónus da prova – não deixa de ter como o primeiro destinatário, não apenas o legislador das normas de processo, mas antes, como sucede no caso, o que define substantivamente os novos tipos incriminadores. 10.4. A necessidade de pena (artigo 18.º, n.º 2, da CRP), a exigência de lei certa (artigo 29.º, n.º 1) e a presunção de inocência (artigo 32.º, n.º 2) são padrões de legitimação da constitucionalidade de novas incriminações cuja verificação, em caso algum, se pode dispensar. Em Estado de direito, nenhuma política criminal, qualquer que seja o seu escopo, se legitima, se através dela se não reunirem as exigências decorrentes destes três princípios. A possibilidade de decomposição analítica dos seus conteúdos, através da descrição separada dos diferentes standards de julgamento que deles emirjam, não pode fazer perder de vista a unidade substancial e valorativa em que todos eles [estes princípios] se encontram, unidade essa que ocupa, numa ordem constitucional como a nossa, que favorece a liberdade, um lugar primordial. Com efeito, se, num Estado com as características daquele que o artigo 2.º da CRP institui, o recurso à criminalização de comportamentos e à previsão de penas deve ser um recurso de ultima ratio , a evitar sempre que permaneçam incertezas quanto à necessidade da intervenção penal, sempre subsidiária e fragmentária, tal sucede pelo mesmo fundamento que justifica os limites constitucionais ao modo da incriminação. Ora, quanto ao modo, não podem também existir em Estado de direito crimes e penas que não sejam previstos em lei que seja certa, como não podem ser previstos crimes de tal ordem, ou por tal forma, que se presuma o cometimento do ilícito criminal, devolvendo-se a quem é desse cometimento acusado todo o ónus da refuta- ção da acusação. A unidade valorativa que une estas três exigências está no facto de todas elas emergirem da mesma ideia básica de favorecimento da liberdade. Será, portanto, a partir desta unidade valorativa – repercutida num lastro jurisprudencial que conta com três décadas de afirmação – e tendo-a sempre em conta que se analisará, primeiro, o aditamento ao Código Penal previsto pelo artigo 1.º, n.º 1, do Decreto n.º 369/XII da Assembleia da República; e, de seguida, o aditamento à Lei n.º 34/87, de 16 de julho, previsto pelo artigo 2.º do mesmo Decreto. D. Do aditamento ao Código Penal 11. O artigo 335.º-A, cujo aditamento à Secção II do Capítulo I do Título V do Livro II do Código Penal o Decreto da Assembleia determina, contém uma formulação que se estrutura em seis números. No
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