TRIBUNAL CONSTITUCIONAL Acórdãos 93.º Volume \ 2015
28 TRIBUNAL CONSTITUCIONAL de Estado de direito, ocupou desde sempre um lugar nuclear nos primeiros textos do constitucionalismo. Muitas referências poderiam a este propósito ser indicadas. Impressiva é, no entanto (e por isso bastará referi- -la) a formulação do artigo 8.º da declaração de direitos francesa de 1789, que influenciou toda a evolução posterior, e que determinava: “La loi ne doit établir que des peines strictement et évidemment nécessaires, et nul ne peut être puni qu’en vertu d’une Loi établie et promulguée antérieurement au délit et légalement appliquée”. 10.2. A formulação deste artigo 8.º da declaração de direitos de 1789 (que, recorde-se, é ainda hoje direito constitucional positivo na ordem jurídica francesa) deixa já antever que o princípio da necessidade de pena, primeiro elemento definidor do que se possa entender por «padrões de legitimação da constitu- cionalidade de novas incriminações», se apresentou sempre em estreita associação com um outro princípio, textualmente sediado, na nossa ordem jurídica, no n.º 1 do artigo 29.º da CRP, e cujo conteúdo se resume, habitualmente, a um aforisma latino: nullum crimen, nulla poena, sine lege praevia et certa. Diversamente da ideia de necessidade de pena – que atua como vínculo do legislador no momento em que este se decide pelo recurso, que deve ser de última instância, à criminalização de certos e determinados comportamentos – o princípio da legalidade da pena (e do crime) vinculam-no, já não quanto ao se da criminalização, mas quanto ao modo pelo qual o poder legislativo constrói a previsão típica dos comportamentos que entende deverem ser criminalmente relevantes. Não obstante esta diferença, os dois princípios associam-se estreitamente, inte- grando afinal o mesmo âmbito nuclear do que [pode] deve ser a política criminal de um Estado de direito. Como se sabe – e a jurisprudência constitucional tem sido, também quanto a este ponto, ilustrativa: vejam-se, por exemplo, os Acórdãos n. os 25/84, 264/97, 147/99, 168/99, 179/99, 383/00, 545/00, 93/01, 236/02, 449/02, 338/03, 358/05, 29/07, 110/07, 183/08, 146/11, 379/12, 397/12, 105/13 – do princípio constante do n.º 1 do artigo 29.º da CRP decorrem várias obrigações para o legislador, que devem ser cum- pridas aquando da prossecução de medidas de política criminal através da definição de novos crimes e da previsão de novas penas. Entre essas obrigações encontra-se aquela, que sobre ele impende, de identificar o comportamento que se considera punível da forma mais precisa possível, evitando portanto – tanto quanto o consente a natureza da linguagem e a inevitável descrição de «aspetos da vida» por recurso a conceitos com algum grau de indeterminação – toda e qualquer desnecessária ambiguidade. Deste dever especial de precisão decorre que, em princípio, a punição deve incidir sobre um comporta- mento específico e suficientemente descrito de um determinado agente, comportamento esse que se traduzirá numa certa e determinada ação ou numa certa e determinada omissão que àquele mesmo agente possam ser imputadas [como diz o artigo 29.º, n.º 1, da CRP, «[n]inguém pode ser sentenciado criminalmente senão em virtude de lei (…) que declare punível a ação ou omissão»]. Todavia, para além disso ou mesmo antes disso, do princípio da legalidade, nas suas vestes de imperativo de lex certa, decorre para o legislador o dever de «dese- nhar» o novo tipo criminal de modo a tornar cognoscíveis para os cidadãos quais os factos voluntários que são merecedores do juízo de desvalor jurídico-criminal. Na verdade, o princípio nullum crimen sine lege tornar-se-ia inoperante se ao poder legislativo fosse dada a possibilidade de não determinar com um mínimo de rigor, atra- vés do tipo legal, o facto voluntário a considerar punível. Por isso, e como se disse, por exemplo, no Acórdão n.º 168/99, ponto 6: «[a]veriguar da existência de uma violação do princípio da tipicidade, enquanto expressão do princípio constitucional da legalidade, equivale a apreciar da conformidade da norma penal [aplicável] com o grau de determinação exigível para que ela possa cumprir a sua função específica, a de orientar condutas humanas, prevenindo a lesão de relevantes bens jurídicos. Se a norma incriminadora se revela incapaz de definir com suficiente clareza o que é ou não objeto de punição, torna-se constitucionalmente ilegítima». A associação estreita entre esta obrigação, que impende sobre o legislador, de definir com suficiente pre- cisão em que é que consistem os comportamentos aos quais se confere relevância criminal, e aquela outra que para ele também decorre de usar o recurso à sanção penal apenas como «recurso de última instância», estará na garantia de que só assim – só através de uma valoração jurídico-criminal dos comportamentos formulada de
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