TRIBUNAL CONSTITUCIONAL Acórdãos 93.º Volume \ 2015

27 acórdão n.º 377/15 propriedade), a decisão da sua definição ex novo não pode deixar de ser reveladora de uma ponderação acer- tada quanto à indispensabilidade do meio para a «salvaguarda de outros direitos ou interesses constitucio- nalmente protegidos». Esta enunciação do primeiro padrão legitimador da constitucionalidade das novas incriminações, assim genericamente fundada numa exigência lata de proporcionalidade, carece no entanto de precisão; e a juris- prudência correspondeu a este repto, concretizando e desdobrando – no que à previsão de novos crimes e de novas penas diz respeito – o sentido da imposição constitucional em duas vertentes essenciais. De acordo com a primeira, a decisão de política legislativa que se traduz na previsão de um novo tipo criminal só será conforme ao previsto no n.º 2 do artigo 18.º da CRP se o bem jurídico por esse novo tipo protegido se mos- trar digno de tutela penal; de acordo com a segunda, a mesma decisão de política legislativa só passará o crivo da legitimação constitucional se o bem jurídico protegido pelo novo tipo incriminador se revelar carente de tutela penal. Em qualquer caso – di-lo também a jurisprudência – a verificação destas duas vertentes, através das quais se traduz a exigência de proporcionalidade quando aplicada a medidas de política legislativa que se cifrem em decisões de novas incriminações, deve ser cumulativa: não basta que o «bem jurídico» protegido pelo novo tipo criminal se mostre digno de tutela penal; é ainda necessário que esse mesmo «bem» se revele dela [da tutela penal] «carente» ou «precisado». Assim, tem sido dito que, antes do mais, as sanções penais, «por serem aquelas que em geral maiores sacrifícios impõem aos direitos fundamentais» (Acórdão n.º 99/02, ponto 5) só serão constitucionalmente legítimas se através delas se protegerem bens jurídicos que se mostrem dignos de tutela penal. Sustentar esta afirmação equivale a dizer que toda e qualquer decisão legislativa de política criminal, que se traduza na opção de definir novos tipos de crimes e de prever para eles novas penas, deve desde logo revelar-se como uma medida adequada para conferir amparo a interesses, individuais ou coletivos, de conservação ou manu- tenção de valores sociais aos quais seja possível reconhecer a máxima relevância jurídica; e que, em Estado de direito democrático, o critério para a determinação do que seja a «máxima relevância jurídica» de certo valor social que deva ser preservado há de encontrar-se, não em um qualquer corpus normativo que seja exterior à Constituição, mas apenas dentro dela e no quadro axiológico que lhe seja próprio. É neste sentido – exigido pelo primado normativo da Constituição, decorrente do n.º 1 do artigo 3.º da CRP – que se diz que, em cada nova incriminação, «há de observar-se uma estrita analogia entre a ordem axiológica constitucional e a ordem legal dos bens jurídico-penais» (Acórdão n.º 108/99, ponto 4); e que «toda a norma incriminatória na base da qual não seja suscetível de se divisar um bem jurídico-penal claramente definido é nula, porque materialmente inconstitucional» (Acórdão n.º 179/12, ponto 7). Em segundo lugar, porém, afirmar-se que a decisão de prever novos crimes e novas penas não pode deixar de ser reveladora de uma ponderação acertada [quanto à indispensabilidade da tutela penal para a realização de um fim suficientemente valioso que a justifique], equivale ainda a afirmar-se que a pena só será necessária quando se mostrar adequada para proteger bens jurídicos que se mostrem carentes de tutela penal. Não basta que, em cada nova incriminação, se divise a intenção de preservar um valor social que, de acordo com a Constituição, possa ser tido como merecedor do mais elevado grau de proteção jurídica; é ainda necessário que o fim almejado – a preservação de tal valor – não possa ser realizado por outro meio de política legislativa que não aquele que se traduz no recurso à intervenção penal. Como se disse no Acórdão n.º 108/99, ponto 4: «o direito penal, enquanto direito de proteção, cumpre uma função de ultima ratio . Só se justifica, por isso, que intervenha para proteger bens jurídicos – e se não for possível o recurso a outras medidas de política social, igualmente eficazes, mas menos violentas do que as sanções criminais». E isto por, face ao disposto no n.º 2 do artigo 18.º da CRP, dever ser a intervenção penal sempre subsidiária e fragmen- tária, a evitar quando não seja certo que inexistem outros meios, de diversa índole e por isso mesmo menos gravosos, para a realização dos fins que inspiraram a intervenção do legislador. Ao enunciar assim o princípio da necessidade de pena, como primeiro princípio orientador das vincu- lações a que está sujeito o legislador ordinário no desenho ou definição de qualquer programa de política criminal, o Tribunal recebeu na sua jurisprudência uma orientação que, por ser fundante da própria ideia

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